Os neurocientistas afirmam
(http://bit.ly/10GJfrT) que quando a gente
escreve estimula mais áreas do cérebro (lobo frontal, lobo parietal, sistema de
ativação reticular, etc) do que quando está apenas lendo, ouvindo ou falando. O
ato de escrever a mão ou num teclado mobiliza diferentes áreas motoras e
sensoriais. E isso contamina o que se passa pela nossa mente. Por isso se diz
aos escritores profissionais: não fique pensando, escreva; não fique só
imaginando, escreva; não queira ter a história toda pronta na cabeça antes de
escrever. Porque quando chegar o ato de escrever, você vai estar pensando, em
termos práticos, com um cérebro mais amplo do que o cérebro que pensava antes.
Treino é treino, e jogo é jogo.
Não sei quanto aos
cientistas, mas como escritor eu vejo assim. Digamos que você está escrevendo
uma história de um casal que, viajando à noite numa estrada deserta, tem um
problema no motor do carro. Discutem --- devem esperar socorro? Sair andando à
procura de uma casa próxima? Se eu estou deitado na rede imaginando a cena, tudo
fica num plano vagamente mental de imagens visuais superpostas, antes, depois,
fragmentos de diálogos semi-imaginados, ocupando uma área relativamente limitada
do cérebro. Mas é diferente se enquanto imagino a cena total eu estou
escrevendo.
“—Puxa vida, disse Sandra,
você quer que a gente saia andando nesse escuro? – Meu amor, disse Fernando,
melhor do que ficarmos aqui no carro, numa estrada onde não passa ninguém,
porque na última meia hora a gente não ultrapassou nenhum carro. – Mas é uma
estrada, disse Sandra, cedo ou tarde vai passar alguém. Mas quando ela disse
isso Fernando já tinha partido a passos largos, e ela, mesmo engolindo a raiva,
tirou as sandálias altas e o seguiu”.
Escrever isso ativa
(através das mãos e dos olhos) centros motores que não são ativados pelo mero
devaneio, e daí começa um feedback em que esses centros começam a xeretar o
texto e dar palpite. O diálogo acima foi improvisado agora, em meio minuto; eu
pensava em escrever apenas as falas, e de repente me vi fazendo Fernando meter o
pé na estrada e a mulher segui-lo, com esse detalhe que eu não antevira (mas
para mim plausível) de tirar as sandálias de salto alto.
Envolver o corpo na escrita
é um segredo que alguns resolvem ditando em voz alta para um gravador ou uma
secretária; outros, escrevendo em pé (Hemingway), outros escrevendo à mão num
caderno; outros, usando a máquina de escrever como se fosse um piano de ragtime.
Falar em voz alta. Gesticular. Caminhar pelo escritório. Ativar os cinco
sentidos, a percepção espacial, a coordenação motora. Eles nos ajudam a imaginar
melhor.
Braulio Tavares
(O mundo fantasmo)
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