domingo, 30 de junho de 2013

Escrever pensando

Os neurocientistas afirmam (http://bit.ly/10GJfrT) que quando a gente escreve estimula mais áreas do cérebro (lobo frontal, lobo parietal, sistema de ativação reticular, etc) do que quando está apenas lendo, ouvindo ou falando. O ato de escrever a mão ou num teclado mobiliza diferentes áreas motoras e sensoriais. E isso contamina o que se passa pela nossa mente. Por isso se diz aos escritores profissionais: não fique pensando, escreva; não fique só imaginando, escreva; não queira ter a história toda pronta na cabeça antes de escrever. Porque quando chegar o ato de escrever, você vai estar pensando, em termos práticos, com um cérebro mais amplo do que o cérebro que pensava antes. Treino é treino, e jogo é jogo.
 
Não sei quanto aos cientistas, mas como escritor eu vejo assim. Digamos que você está escrevendo uma história de um casal que, viajando à noite numa estrada deserta, tem um problema no motor do carro. Discutem --- devem esperar socorro? Sair andando à procura de uma casa próxima? Se eu estou deitado na rede imaginando a cena, tudo fica num plano vagamente mental de imagens visuais superpostas, antes, depois, fragmentos de diálogos semi-imaginados, ocupando uma área relativamente limitada do cérebro. Mas é diferente se enquanto imagino a cena total eu estou escrevendo.
 
“—Puxa vida, disse Sandra, você quer que a gente saia andando nesse escuro? – Meu amor, disse Fernando, melhor do que ficarmos aqui no carro, numa estrada onde não passa ninguém, porque na última meia hora a gente não ultrapassou nenhum carro. – Mas é uma estrada, disse Sandra, cedo ou tarde vai passar alguém. Mas quando ela disse isso Fernando já tinha partido a passos largos, e ela, mesmo engolindo a raiva, tirou as sandálias altas e o seguiu”.
 
Escrever isso ativa (através das mãos e dos olhos) centros motores que não são ativados pelo mero devaneio, e daí começa um feedback em que esses centros começam a xeretar o texto e dar palpite. O diálogo acima foi improvisado agora, em meio minuto; eu pensava em escrever apenas as falas, e de repente me vi fazendo Fernando meter o pé na estrada e a mulher segui-lo, com esse detalhe que eu não antevira (mas para mim plausível) de tirar as sandálias de salto alto.
Envolver o corpo na escrita é um segredo que alguns resolvem ditando em voz alta para um gravador ou uma secretária; outros, escrevendo em pé (Hemingway), outros escrevendo à mão num caderno; outros, usando a máquina de escrever como se fosse um piano de ragtime. Falar em voz alta. Gesticular. Caminhar pelo escritório. Ativar os cinco sentidos, a percepção espacial, a coordenação motora. Eles nos ajudam a imaginar melhor.
 
 
Braulio Tavares
(O mundo fantasmo)

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