Tinha 30 anos quando decidiu: a
partir de hoje nunca mais lavarei a cabeça. Passou o pente devagar nos cabelos,
pela última vez molhados. E começou a construir sua maturidade.
Tinha 50, e o marido já não pedia, os
filhos haviam deixado de suplicar. Asseada, limpa, perfumada, só a cabeça
preservada, intacta com seus humores, seus humanos óleos. Nem jamais se deixou
tentar por penteados novos ou anúncios de xampu. Preso na nuca, o cabelo
crescia quase intocado, sem que nada além do volume do coque acusasse o
constante brotar.
Aos 80, a velhice a deixou entregue a
uma enfermeira. A qual, a bem da higiene, levou-a um dia para debaixo do
chuveiro, abrindo o jato sobre a cabeça branca.
E tudo o que ela mais havia temido
aconteceu.
Levadas pela água, escorrendo
liquefeitas ao longo dos fios para perderem-se no ralo sem que nada pudesse
retê-las, lá se foram, uma a uma, as suas lembranças.
Marina Colasanti
(Do livro Contos de Amor Rasgados)
5 comentários:
Qual a interpretação?
Acredito com o verbo acreditar n 1ª pessoa do singular que tudo não passa de uma cabeça pensada e transitada pelo mar do tempo onde a autora teve um talento de produzir tal conto expressivo na conjuntura da realidade que explícita um acontecimento factível de um desejo incomensurável, autônomo de uma mulher com direitos tal qual perdeu-se no físico, mas não na mente. O tempo passa, mas a alma fica cheia,e experimentada o vento consome as matérias deixando, o espírito sobressair nas nuvens do tempo.A criação e a imaginação vem dos ares enviado pelo espírito e quem escreve tem esta percepção pautada na elevação das palavras e da audácia de poder citar e abarcar tais pensamentos.
Como e trabalhado o cenário? e o tempo ?
Qual sua opinião sobre a decisão da personagem principal do conto ?
Qual sua opinião sobre a decisão da personagem principal do conto ?
Postar um comentário