sábado, 31 de julho de 2010

As muitas vezes que eu não fugi de casa


Sempre almejei fugir de casa. Essa talvez tenha sido a minha mais fiel e contida desobediência civil. - Ímpeto infanto-juvenil, sentencia os mais acalmados aventureiros. De minha parte, é imorredoura essa vontade (in) contida de fugir de casa. Ir um pouco mais além da costumeira traquinagem de driblar os olhares de D. Mariinha em direção às ingazeiras que sombreavam o mergulho dos piaus e das curimatãs do velho Rio Piancó. Essas fugazes e ingênuas incursões às escondidas além de me renderam marcas de cipó de cansanção no lombo, mantiveram quase adormecido o périplo de minhas quase fugas.

Mas, com o tempo, descobri que há mil maneiras de se fugir de casa. Sempre há outros caminhos a seguir ou a desbravar, especialmente quando se navega na imensidão do homem, nas águas da alma, nas calmarias do espírito ou nas tormentas dos sonhos inalcançáveis pelos anos. Nesse particular, embora não menos traumático, tenho empreendido minhas quase fugas, travado imensuráveis batalhas, desbravado ilusões contidas, invadido territórios, derrotado corações indomáveis, bolinado a desventura de enigmas e mistérios nunca antes vistos, coisinhas muito próprias que a vida real cuidou de me privar até aqui e que só no nosso interior encontra alguma guarida.

De certo, o homem precisa, ao menos uma vez na vida, fugir de casa! Subir ao sótão onde guarda, a miúde, baús de seus segredos inconfessáveis, tralhas arrumadas num canto pelo tempo e apear-se naquela sandália esquecida atrás da porta, ferramenta destinadas somente aos peregrinos caminheiros e devotos. Sonhar também é um meio de se perder no mundo e de fugir de casa!

Decididamente ninguém conhece a si mesmo. E desabotoar a própria alma é uma das missões mais difíceis de empreender. É, quem sabe, uma das viagens mais temíveis e incertas onde, com freqüência, dispomos apenas do marco de saída e tornamos incerto o ponto de chegada.

É, pois, na alma que repousa os espectros que nos amedontra e nos domina. Guerras silenciosas. Planos silentes e inexecutáveis. Nosso inconfesso confronto entre o bem e o mal, o presente e o passado, entre o sagrado e o profano. É nas mais puras introspecções do espírito que travamos o nosso mais árduo combate, debruçados nessas trincheiras, onde ninguém é senhor de si mesmo.

Porém, é ali, naquele mergulho, que construímos os nossos sustentáculos, muros de arrimo, proteção interior contra os ataques da vida.

Fugir de casa é como escapar dos olhos de D. Mariinha, dos olhos deste mundo desmedido em que vivemos, dos olhos da nossa mais íntima particularidade!

E eu sempre quis fugir de casa, nem que fosse por um instante apenas, um brevíssimo instante, suficiente apenas para me tornar fantasma de emoção, viajante noturno, de pés fincados neste chão e os olhos pendurados nas estrelas. Só as estrelas e os devaneios que nos mantém fugitivos de si mesmo é que nos faz, de repente, acordar.

E eu sempre quis fugir de casa!

Sempre é tempo para se cometer novos delitos e novas trangressões. Talvez nem tudo esteja perdido. Talvez ainda haja tempo! O velho Leon Tolstoi levou 80 anos para fugir de casa nos versos da Gare de Astapovo de Mário Quintana.

Quem sabe eu não lhe divida o banco de madeira dalguma velha e solitária estaçãozinha de trem esquecida pelos anos. Quem sabe?


Teófilo Júnior

Um comentário:

Unknown disse...

Me lembro que uma vez eu "fugi"era um rapazote e eu disse : Vou embora agora !!! e saí correndo p. da vida; onde me lembro que meu irmão chegou a corer atrás de mim para impedir; mas logo logo, em questão de minutos eu caí em sí e veio na minha cabeça de menino a seguinte frase : Para onde vou ??? e percebi o mundo jamais poderia substituir minha casa, mas minha casa poderia substituir o mundo !!! (Conclusão: Voltei com o "rabo entre as pernas" acho que era só charminho...birra besta...AH,AH,AH...)