Bem, Márcia, hoje quero te falar de uma namorada de meus dezessete anos. Tenho aqui uma foto dela, só que não vai pro teu álbum, não. Ela faz parte de uma época de consciências etéreas.
Nosso primeiro encontrou deu-se em frente ao Cine Olido, naquela velha galeria da Avenida São João. Por telefone, a voz dela refletia uma ternura ansiosa de conhecimentos, vivências e reconhecimentos. Cada dia imaginava seu rosto, mas não conseguia fixar uma forma, pois a voz me absorvia e contagiava.
Enfim, fui ao encontro como um requintado cavalheiro apaixonado que leva consigo a primazia dos tormentosos dezessete anos. Meu mais bonito terno azulado, com colete e cinto da mesma fazenda da calça. Camisa socialíssima, colarinho alto, bem justo, curto e arredondado. Gravata num tom azul mais escuro, com leves listas mais claras, celestes.
No local exato e na hora marcada, dois enormes olhos negros me espetavam quais filete de açúcar. Lábios promissores (apesar do batom um tanto excessivo), queixo arrogante. A pele me parecia de seda, vontade de tocá-la. E nas voltas da saia rodada, um sorriso irônico. Uma porcelana girando em minha mão indecisa.
Comprei-me um drops de hortelã e entramos. Durante toda a sessão, não me deixou abraçá-la e muito menos beijá-la. De vez em quando roçava-lhe a mão num contato arrepiante. Mas foi bom e de muita sorte, pois ficamos sabendo dias após que o pai dela estivera o tempo todo nos observando, sentado numa poltrona duas carreiras atrás da nossa.
Essa menina me desafiou sempre. Namorávamos muito, mas raramente nos encontrávamos. Passávamos horas e horas ao telefone, falando e ouvindo o Pery Ribeiro cantar: "Quero amar você, inteirinha, abraçar você inteirinha..." Mas nunca nos abraçamos inteirinhos, e nem por partes.
Nossos momentos mais íntimos foram sempre tão domésticos. Quando ela escapava das presilhas aproveitando as artimanhas de seu motorista particular, o Bené, e ia até minha casa. Chegava num Oldsmobile enorme, último tipo. A vizinhança toda na janela espantando-se com aquele carrão vermelho e aquela moça chique a conversar comigo apoiada no rangedor portãozinho de casa. Até que o Bené começava a buzinar, de leve. Quando não descia do carro a espalhar-se matreiro em explicações e gentilezas arraigadas do morro da Casa Verde, sua origem. Ficou meu amigo, o cara, porque eu morava no Bom Retiro, e ele dizia que eu era gente igual a ele. E era mesmo.
Outras vezes, vivi com essa menina tardes românticas nos imensos jardins de sua casa, ao redor de sucos e rubores. Sentávamos nas poltronas de vime de sua varanda ajardinada. E éramos servidos com graça e requinte pela Girogina - mucama com voz de atriz - que nos trazia até pedacinhos picados de maçã à tona das laranjadas. Sensível que era, essa mulata, deixava os refrescos e se retirava, mantendo-se invisível. Mas logo aparecia o Fabinho, irmãozinho da menina. Lindo, quatro anos, louros cabelos cacheados. Ficava o tempo todo enroscado na irmã como a preservá-la de algum possível ataque meu.
Apesar de tudo, era tão profundamente poético. Mas apenas poético... Ah, essa menina compartilhou comigo delicadas introversões e as mais puras indecisões da adolescência.
Muitos anos depois, conheci sua filha, Daniela. Olhos enormes, que não eram negros, mas azuis, e ficaram imortalizados por mim num óleo irresistível. Hoje, quem sabe de Daniela?
João Carlos Pecci
Nosso primeiro encontrou deu-se em frente ao Cine Olido, naquela velha galeria da Avenida São João. Por telefone, a voz dela refletia uma ternura ansiosa de conhecimentos, vivências e reconhecimentos. Cada dia imaginava seu rosto, mas não conseguia fixar uma forma, pois a voz me absorvia e contagiava.
Enfim, fui ao encontro como um requintado cavalheiro apaixonado que leva consigo a primazia dos tormentosos dezessete anos. Meu mais bonito terno azulado, com colete e cinto da mesma fazenda da calça. Camisa socialíssima, colarinho alto, bem justo, curto e arredondado. Gravata num tom azul mais escuro, com leves listas mais claras, celestes.
No local exato e na hora marcada, dois enormes olhos negros me espetavam quais filete de açúcar. Lábios promissores (apesar do batom um tanto excessivo), queixo arrogante. A pele me parecia de seda, vontade de tocá-la. E nas voltas da saia rodada, um sorriso irônico. Uma porcelana girando em minha mão indecisa.
Comprei-me um drops de hortelã e entramos. Durante toda a sessão, não me deixou abraçá-la e muito menos beijá-la. De vez em quando roçava-lhe a mão num contato arrepiante. Mas foi bom e de muita sorte, pois ficamos sabendo dias após que o pai dela estivera o tempo todo nos observando, sentado numa poltrona duas carreiras atrás da nossa.
Essa menina me desafiou sempre. Namorávamos muito, mas raramente nos encontrávamos. Passávamos horas e horas ao telefone, falando e ouvindo o Pery Ribeiro cantar: "Quero amar você, inteirinha, abraçar você inteirinha..." Mas nunca nos abraçamos inteirinhos, e nem por partes.
Nossos momentos mais íntimos foram sempre tão domésticos. Quando ela escapava das presilhas aproveitando as artimanhas de seu motorista particular, o Bené, e ia até minha casa. Chegava num Oldsmobile enorme, último tipo. A vizinhança toda na janela espantando-se com aquele carrão vermelho e aquela moça chique a conversar comigo apoiada no rangedor portãozinho de casa. Até que o Bené começava a buzinar, de leve. Quando não descia do carro a espalhar-se matreiro em explicações e gentilezas arraigadas do morro da Casa Verde, sua origem. Ficou meu amigo, o cara, porque eu morava no Bom Retiro, e ele dizia que eu era gente igual a ele. E era mesmo.
Outras vezes, vivi com essa menina tardes românticas nos imensos jardins de sua casa, ao redor de sucos e rubores. Sentávamos nas poltronas de vime de sua varanda ajardinada. E éramos servidos com graça e requinte pela Girogina - mucama com voz de atriz - que nos trazia até pedacinhos picados de maçã à tona das laranjadas. Sensível que era, essa mulata, deixava os refrescos e se retirava, mantendo-se invisível. Mas logo aparecia o Fabinho, irmãozinho da menina. Lindo, quatro anos, louros cabelos cacheados. Ficava o tempo todo enroscado na irmã como a preservá-la de algum possível ataque meu.
Apesar de tudo, era tão profundamente poético. Mas apenas poético... Ah, essa menina compartilhou comigo delicadas introversões e as mais puras indecisões da adolescência.
Muitos anos depois, conheci sua filha, Daniela. Olhos enormes, que não eram negros, mas azuis, e ficaram imortalizados por mim num óleo irresistível. Hoje, quem sabe de Daniela?
João Carlos Pecci
Um comentário:
CONTINUAREI NAMORANDO COM MINHA ESPOSA POR TODA A ETERNIDADE !!! AMÉM! :)
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