Ano novo, vida velha. Com o futuro do Brasil reaberto pelo saneamento das contas públicas, os heróis da resistência preferiram ficar no passado. Num ato de rebeldia contra a monótona marcha da História para frente, eles entraram em 2020 de marcha à ré. Subversão total.
Desprezando corajosamente as projeções de retomada sólida do crescimento – indicador que ameaça melhorar a vida de todo mundo e, pior que isso, foi obtido pelo governo malvado das trevas de belzebu – a resistência cenográfica resolveu negar tudo (possivelmente orientada pelo advogado do Lula): de volta ao apocalipse.
Este é hoje, de fato, o único lugar seguro para essa brava gente
catastrófica que não desiste nunca. No apocalipse – assim como era a
barriga da baleia para Jonas – a vida é bem mais fácil. Ali não é preciso fazer nada. Basta acordar, chorar, gritar, espernear e voltar tranquilamente para o cândido sono dos tolos.
O lugar é seguro porque, como dito acima, tem gente trabalhando duro
por você, arrumando a casa e reforçando o telhado contra as intempéries –
de forma que os seus maus presságios possam ser redigidos com toda
calma e segurança do mundo. É ou não é um vidão?
Os efeitos especiais são similares, ou até superiores, aos da lendária
cascata de fogos de Copacabana – e de cascata esse povo entende. Por
isso é que se viu, ao raiar de 2020, quando mal se dissipara a nuvem de
paz e esperança do réveillon, as cassandras já cacarejando contra tudo,
espalhando frustração, falsidade e recalque de forma olímpica e
exuberante lá do ventre do apocalipse, onde tudo é cheiroso e
confortável.
O fundão eleitoral criado pelo trio-ternura PT-OAB-STF e engordado pelo Rodrigo Maia é culpa do Bolsonaro. Toffoli é o vilão do acordão, mas é lindo de morrer quando derruba o corte do DPVAT com uma canetada ditatorial. A carne e o dólar subiram por causa do Bolsonaro.
A carne e o dólar caíram apesar do Bolsonaro – que não faz nada para
salvar as florestas australianas e acabou com a Lava Jato, junto com o
Sergio Moro, que assim virou aliado do Lula, num acordão para salvar a
narrativa dos espíritos de porco.
A nova tendência do verão 2020 é emagrecer a eleição de 2018. Segundo especialistas, os 57 milhões de votos da maioria que elegeu o presidente da República viraram minoria de uns 30%.
Não entendeu? É simples: a realidade hoje é muito dinâmica, e as
grandes decisões da democracia vão sendo corrigidas conforme o humor dos
institutos de pesquisa – o que faz todo o sentido porque, já que foram
contrariados acintosamente pelas urnas, eles têm todo o direito de se
vingar.
Essa dieta democrática é um sucesso e tem sido repetida por dez entre
dez trombeteiros do apocalipse para lipoaspirar os votos de Bolsonaro,
que estavam nitidamente acima do peso. Não ouse portanto repetir,
nunca mais, o resultado eleitoral que constituiu este governo. O número
que vale é o do DataLula de ontem.
Como se vê, 2020 começou em alta fertilidade no ventre do apocalipse. Enquanto o Carnaval não chega, o negócio é ir matando o tempo com manchetes exclusivas sobre a escalada fascista na mente da intelectualidade ociosa. Seguem sugestões:
Tarcísio asfaltou o jardim do meu amor
Paulo Guedes privatizou minha boquinha e meu caô
Bolsonaro censurou as pedaladas da Dilma
PCC acusa Moro de ferir a liberdade de expressão
PT concorda e bota fé
OAB diz que tamo junto
Greta diz que Bolsonaro ameaça seus bichinhos de pelúcia
Jane Fonda denuncia falta de ditadura no Brasil e pergunta a Lula como faz para ser presa
PIB acima de 2% é crime de responsabilidade, diz leitor da Folha
Divirta-se. O ano está só começando, mas já é possível afirmar que,
para os heróis da resistência esferográfica, o fim do mundo nunca acaba.
Por Guilherme Fiuza - GazetadoPovo
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