“Sempre olháramos longe. Seria necessário aprender a viver o
dia-a-dia? Estávamos sentados lado a lado sob as estrelas, tocados pelo
aroma cipreste, nossas mãos se encontravam; o tempo havia parado um
instante. Iria continuar a escorrer. E então? Sim ou não, poderia ainda
trabalhar? Minha raiva contra Filipe se esfumaria? A angústia de
envelhecer me retomaria? Não olhar muito longe. Longe seriam os horrores
da morte e dos adeuses. Seria a dentadura, a ciática, as enfermidades,
a esterilidade mental, a solidão em um mundo estranho que não
compreenderíamos mais e que prosseguiria seu curso sem nós. Conseguiria
não levantar os olhos para esses horizontes? Quando aprenderia a
percebê-los sem pavor? Nós estamos juntos, é a nossa sorte. Nós nos
auxiliaremos a viver essa derradeira aventura da qual não retornaremos.
Isso no-la tornará tolerável? Não sei. Esperemos. Não temos escolha."
— Simone de Beauvoir, no livro “A mulher desiludida”. [tradução Helena
Silveira e Maryan A. Bon Barbosa]. 2ª ed., Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2010.
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