A importância da IA no Direito, (resolução de problemas jurídicos mais
corriqueiros e simples), sem menosprezar o argumento ora defendido
segundo o qual a IA artificial não pode se prestar à solução jurídica de
questões mais complexas, intrincadas e peculiares.
Nos
dias atuais, tem sido recorrente, principalmente nas mídias escrita e
falada, a afirmação de que a inteligência artificial poderá vir a
substituir a atividade humana em todos (para alguns mais extremados) ou
quase todos quadrantes da vida em sociedade.
No
que diz respeito ao Direito, tema do presente artigo, ousamos divergir
da afirmação de que a inteligência artificial, mesmo num futuro
distante, substituirá totalmente o labor dos operadores do Direito, a
saber, juízes, promotores, procuradores, advogados, etc.
Dizemos
isso com amparo na constatação fática de que a atividade jurídica é
complexa e multifacetada, não se reduzindo à inteligência lógica e
pragmática que emana dos robôs e das máquinas.
Não
se pode deixar de reconhecer o progresso advindo da aplicação da IA no
Direito. Com efeito, os operadores do Direito podem sim louvarem-se na
AI para dar cabo de uma miríade de processos, ações, petições, etc, que
lhes acorrem, tudo isso com eficiência e produtividade ímpares.
Ao
nosso ver isso já está ocorrendo notadamente em casos ou situações
corriqueiras e mais simples, não revestidas de complexidades ou
peculiaridades.
Essa
constatação, de outro lado, não nos autoriza a dizer, de revés do que
pensam algumas pessoas menos avisadas, que a IA poderá abarcar
empiricamente, mesmo num futuro menos próximo, a totalidade do fenômeno
jurídico, este dotado de grandes complexidades e intrincamento.
Efetivamente,
nessa linha de raciocínio, é importante explicitar três dimensões da
condição humana, que apartam a máquina do homem: o logos, que significa a
inteligência ou razão humana; o phatos, vale dizer, os sentimentos e
paixões humanas; e o virtus, componente ético ou moral das ações
humanas.
Assim
- sem prejuízo da utilização da IA nas questões jurídicas mais simples
ou corriqueiras, o mesmo não acontecendo com aquelas impregnadas de
particularidades e complexidades, e que reclamam a presença do logos, da
razão (não a razão pragmática de que dotados os equipamentos de IA), do
phatos (sentimentos e paixões), que não é compatível com a IA, bem
assim do virtus, este revelador de comportamentos éticos e morais só
existentes no ser humano -, é imperioso reconhecer que o fenômeno
jurídico, por envolver aspectos racionais, sentimentais e morais, não
pode se circunscrever à utilização da inteligência artificial.
Nessa
esteira, tomemos como exemplo as questões forenses de família. Sem
prejuízo de tantas outras onde emergem, visivelmente, os aspectos
racionais, sentimentais e morais, para afirmar, sem a menor dúvida, que a
AI é impotente para resolvê-las de forma adequada e justa.
Cabe
– nos assinalar, por outro lado, que os cursos jurídicos , inclusive os
de pós-graduações, que quase sempre foram afeitos puramente à
dogmática jurídica, estão atualmente, mesmo que de forma insipiente,
revendo seus currículos para introduzir o estudo da filosofia,
sociologia, ética, ciência política, etc, de modo a poder solver as
questões jurídicas que medram nas sociedades extremamente complexas
como as da atualidade.
Desse
modo, é forçosa a conclusão de que a IA não está dotada, em
profundidade, de aportes sociológicos, filosóficos e éticos, de molde a
poder resolver de forma justa e adequada as questões jurídicas
submetidas ao seu crivo.
Acresce
ao que vem de ser exposto, sob outro prisma, o argumento de que,
segundo o jusfilosofo Hans Kelsen, em sua obra Teoria Pura do Direito,
Armênio Amado – Editora Coimbra, 1984, pags 463 a 473, a interpretação
jurídica não é só ato de conhecimento, mas sim sobretudo ato de vontade.
Com
efeito, os modelos normativos (a Constituição , as leis, etc.)
apresentam ao intérprete e aplicador do Direito mais de uma
possibilidade de interpretação, cabendo a eles, sobretudo em face dos
conteúdos ou conceitos indeterminados e plurissignificativos dos textos
da legislação , a escolha, no exercício de ato vontade, da alternativa
que mais lhes pareça acertada e justa.
Assim,
como as máquinas ou os robôs não têm vontade, resulta claro que deixar
ao alvedrio da IA a resolução de conflitos complexos e dotados de
peculiaridades é empobrecer e a apequenar, por demais, a atividade
jurídica.
Além
do mais é preciso registrar, por outro lado, na linha do pensamento do
filósofo Gadamer, na sua obra Verdade e Método I, Ed. Vozes, 8ª edição,
que em todo ato de interpretação emerge a pré – compreensão do
intérprete , esta fundada em suas, dele intérprete, tradições, valores,
cultura, costumes , etc , nele enraizados.
Por
óbvio que a IA, a par de não ter vontade na interpretação do Direito,
com mencionado, não pode ter, ademais, valores, tradições, costumes (pré
– compreensão), o que frustra um sadio ato de interpretação do Direito.
Além
de tudo isso, soma-se o argumento de que, para efeito da
responsabilidade civil e penal, os atos decorrentes do uso da IA não
podem ser dolosos os culposos, na medida em que as máquinas não possuem
intenção.
Nesse
particular, mister se faz a elaboração de legislação densa e minuciosa
vocacionada para coibir os abusos e desvios no manejo da IA, mediante a
imputação de responsabilidade civil e penal a terceiros, a exemplo de
fabricantes e produtores da IA.
Ademias, os limites da utilização da IA devem ser precedidos de ampla discussão ético – jurídica.
Por
outro lado, não é demasia lembrar que o fenômeno da política -
entendida esta como o exercício do poder político pelos poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário - é, de igual forma que o jurídico,
dinâmico, rico , complexo e multifacetado, sendo certo que o Direito
significa - para alguns juristas renomados, como o saudoso professor JJ
Calmon de Passos, em sua obra "Direito, Poder, Justiça e Processo,
Revista Forense, 1999 - um discurso do poder político, vale dizer, se
presta a instrumentalizar as decisões emanadas dos poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário.
Em
sendo assim, é dizer, o Direito como o mais eminente instrumento do
poder político, forçosa deve ser a conclusão de que ambos (direito e
política) estão umbilicalmente relacionados, sendo certo afirmar-se ,
nesse diapasão, que a IA não é meio idôneo para compreender a
correlação entre política e Direito, caso contrário estaríamos diante da
possibilidade de empobrecimento de ambos.
Para
finalizar, podemos realçar a importância da IA no Direito, (resolução
de problemas jurídicos mais corriqueiros e simples), sem menosprezar o
argumento ora defendido segundo o qual a IA artificial não pode se
prestar à solução jurídica de questões mais complexas, intrincadas e
peculiares.
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*Gustavo Hasselmann é advogado e procurador do município de Salvador/BA
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