(Trecho de uma crônica minha, cujo título é: “Professor, por Acaso”)
A mim, ao caçula, quase tudo era permitido (menos jogar bola!). Resolvi, então, montar o “studio” (na época era pecado falar estúdio) de uma “rádio” num quartinho lá de trás (foi lá que aprendi a gostar de ler).
Meu quartinho era o ideal. “Montei”, então, minha “rádio”.
O microfone era um saleiro, pendurado a um arame que, por sua vez, era pendurado ao telhado. Nas paredes, prateleiras exibindo disquinhos de papel, envoltos com embalagens transparentes de cigarros. Os disquinhos eram conseguidos, sobretudo, nas capas da revista Contigo, que traziam réplicas perfeitas dos LPs. e compactos lançados na época.
Dei muito trabalho a minha mãe, com essa “rádio”. O quarto era empoeirado, cheio de livros, e havia, também, uma caranguejeira grande, para quem eu olhava com muito medo, mas não ousava pedir ajuda a ninguém, sob pena de minha “rádio” ser desmontada.
A minha “rádio” era “perfeita”. Apesar de ter apenas 8 anos, dividia a programação direitinho. A “rádio” tinha noticiários, programas de diskjóquei, programas de esporte e atendia a muitos ouvintes imaginários. Quem sabe, Waldízia, filha de Dudu Viola, não iria ligar para mim?
Mas por que dei trabalho à minha mãe?
Acontece que a poeira, os livros, as traças, o fato de ficar falando o dia todo (o horário de minha rádio era das 13 – eu estudava de manhã – às 18) irritavam minha garganta; sobretudo as amígdalas (o médico um dia até ameaçou operar), e... coitada da minha mãe! Uma vez por mês, tinha que ir ao Samdu, às cinco da manhã, tirar ficha para que, somente às nove, eu fosse atendido, e o médico passasse (invariavelmente!) Tetrex líquido. Eu perguntava à minha mãe: “Por que a senhora não me dá o Tetrex, sem precisar desse sofrimento?”.
Minha mãe, austera, como sói acontecer aos Cavalcanti:
- Não. Só com receita médica.
Na época a que estou me referindo, não havia diferença entre jornalista e radialista. O jornalista era radialista e vice-versa. Não havia essa tal “habilitação” dentro do curso de Comunicação Social. Aliás, nunca consegui entender como é que o sujeito vai ter que “optar” entre falar e redigir. Coisas da ditadura militar, que foram absorvidas pelo regime “democrático”.
João Trindade
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