A crônica, oficialmente, não existe. Mas, como ocorre com bruxas, há sempre alguém disposto a testemunhar que já a viu - e nas mais diferentes formas. Pode aparecer na forma de comentário sobre a cena política, ou como um recorte da infância. Ontem, disfarçou-se em digressões sobre o cotidiano. Amanhã, será poema em prosa. Às vezes exibe-se como trecho de algum romance que vai consumindo o autor ao longo de muitas madrugadas. Assume ainda características de ensaio, ou de experimentação estilística. Pode ser brincalhona, amarga, profunda, superficial, atrevida.
Tentativas de enquadrá-la com rigor em algum gênero não parecem recomendáveis. Catalogar a crônica como gênero menor, por exemplo, esbarra na evidência de que não existem gêneros menores. Há grandes e pequenos romancistas, grandes e pequenos poetas, grandes e pequenos contistas. Também há bons e maus cronistas. Contrapô-la ao conto é imaginar, equivocadamente, que crônicas seriam apenas histórias breves, inferiores ao conto em qualidade, densidade ou qualquer outro substantivo invocado para comparações dessa espécie. Numa frase: a crônica não passaria de conto leve e leviano. Mas como aplicar tal definição às obras-primas de um Rubem Braga ou um Fernando Sabino?
Inconstante, descompromissada, libertária, a crônica é avessa a regras e incompatível com camisas-de-força. Nos tempos da Província de São Paulo, por exemplo, já foi até anônima.
Raul Pompéia e Olavo Bilac assinavam textos curtos. Euclides da Cunha, Monteiro Lobato - obcecado com a questão da dicotomia atraso-progresso – publicavam, sem limitação de espaço, textos à altura das obras que lhes asseguraram uma vaga entre os grandes autores da língua portuguesa.
Além disso há outras particularidades: por exemplo ao perguntarem a Rubem Braga o que era a crônica, ele respondeu: "Repare bem: se não é aguda é crônica!".
Moacir Amâncio
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