As dores não têm escala de medição. Mas algumas são mais profundas, outras mais extensas.
Nada pode ser comparado em profundidade à dor de recuperar o corpo sem vida de um filho soterrado. A extensão desta dor se amplia quando o número de mortos chega a centenas de corpos em uma mesma cidade, como vimos nestas últimas semanas na região montanhosa do Rio de Janeiro.
É de outra escala, mas também forte, a dor daqueles que, nestes últimos dias, viram seus sonhos de alegria incinerados pelas chamas.
Muito diferente é a dor, sem choros, mas extensa socialmente, daqueles que percebem a tragédia, nestes mesmos dias, da volta às aulas nas escolas do Brasil. As crianças voltam até com alegria pelo reencontro de amigos, pela algazarra da convivência. Mas, olhando com mais cuidado, percebe-se que neste imenso movimento de quase 53 milhões de alunos, outros 50 milhões de pais, dois milhões de professores, em cerca de 200 mil escolas, há um processo de soterramento e de incineração do futuro.
Ao longo da nossa história, nossas crianças têm sido matriculadas em escolas defasadas das exigências educacionais necessárias para o século XXI. Em conseqüência deste passado, apesar de esforços recentes, em pleno século XXI, cerca de 3% do total de nossas crianças não ingressarão na escola este ano. Parece pouco e muitos comemoram a diminuição desta exclusão em relação às últimas duas décadas, mas esquecem que esta pequena percentagem significa cerca de dois milhões de crianças.
Dos que se matricularão e voltarão à escola nesta semana, a maior parte ainda não a freqüentará todos os dias ou não assistirá todas as aulas, ou não permanecerá na escola todos os anos da infância e da adolescência.
Cristovam Buarque.
Professor da Universidade de Brasília e Senador pelo PDT/DF.
Leia a íntegra do artigo em O Globo.
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