quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Morrer está ficando chato

       Algumas coisas estão acabando com as nossas antigas, como direi, diversões. Um amigo meu, desses que conheço desde a infância, tem a mania de frequentar velórios. Assim como alguns gostam de ir aos estádios assistir jogos de futebol ou tomar uma cervejinha, ele adora participar da última homenagem aos mortos.
 
        Pouco importa se o falecido era parente ou conhecido. O que vale é estar ali, participar de tudo; até ver as coroas de flores chegando. Diz ele que uma maneira muito fácil de saber se o morto era importante é contar quantas coroas de flores recebeu. Valem como critério de desempate os nomes estampados nos laços que arrodeiam aquelas flores. Quem recebe coroa de flores de político importante já sai na frente.

        E foi ele quem me disse a novidade. As funerárias estão criando um sistema de transmissão ao vivo, via internet, dos velórios e enterros, para que parentes e amigos distantes não precisem viajar a fim de assistir às exéquias. 

          “- É um absurdo. Imagina, Marcos, que o melhor dos velórios é conversar sobre o defunto, seus casos extraconjugais, a situação financeira da família e principalmente reencontrar os amigos, porque somente nos enterros temos essa oportunidade. Mas o pior é que se esses avanços tecnológicos continuarem, vai chegar o dia em que não haverá mais necessidade das pessoas segurarem nas alças do caixão, uma máquina vai fazer tudo sozinha”. Foi aí que eu entendi a angustia do velho e querido amigo.

            Ele tem uma espécie de tara. Além de adorar velórios e enterros, sua paixão é segurar em uma das alças do caixão. Por conta desse vício, ele foi protagonista de uma cena que ficou famosa nos anos 90 aqui na Paraíba. 

                   Talvez os leitores menos jovens lembrem do fato. No enterro de uma autoridade local, justo na hora de deslocar o corpo, ele aboletou-se junto à primeira das três alças laterais do caixão, que ele considera o máximo da distinção, porque vai na frente. Ocorre que o de cujus tinha 4 filhos que assumiram as 4 primeiras alças, sobrando ao meu amigo brigar pelas duas últimas, mas foi empurrado por próceres locais com os quais não podia competir. Frustrado, viu o cortejo indo embora. Com lágrimas de raiva nos olhos, lá de longe gritou bem alto: “- Ei, magote de FDP, podem socar esse defunto no...”.

             Por conta disso ficou proibido muito tempo de frequentar os velórios da cidade.   

Marcos Pires 

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