terça-feira, 13 de setembro de 2016

A guerra não tem rosto de mulher, de Svetlana Aleksiévitch

A guerra não tem rosto de mulher é mais um excelente produto do curioso, trabalhoso e eficiente método de Aleksiévitch fazer literatura. O livro é formado de pequenas introduções da autora e de trechos de entrevistas que são retrabalhadas, classificadas e ordenadas. O efeito é o de um torpedo, cheio de dor e humanidade. Os relatos são curtos, vindos todos de mulheres soviéticas que lutaram na 2ª Guerra Mundial. Suas funções são de francoatiradoras, enfermeiras, lavadeiras, médicas, pilotas, cozinheiras, artilheiras, comandantes, tanquistas, sapadoras, enfim, elas estiveram em todos os gêneros de trabalho de soldados em guerra. Matavam e eram mortas. E cada sobrevivente tem uma história diferente e pessoal para contar. A morte, é claro, é onipresente. Todos os relatos envolvem sofrimento, mas também há histórias de amor, de coqueteria e de pequenas alegrias. 

Todos sabem que a história é escrita pelos vencedores, mas é pior do que isso, ela é escrita por homens e apenas sobre homens. As mulheres são apenas enfermeiras? Nada disso. E a escolha do feminino no livro de Aleksiêvitch é fundamental. O masculino ama as ações honrosas, a narrativa oficial, enquanto que as mulheres são mais afeitas às “anotações da alma” e aos sentimentos. Nada de estatísticas, de narração de batalhas, apenas detalhes do que é viver dentro de um conflito como aquele..
Isto é, depois de sete anos de entrevistas e de quilômetros de cassetes gravados, Svetlana Aleksiévitch não escreveu um livro somente sobre a guerra, mas principalmente sobre o comportamento do ser humano na guerra, perseguindo menos “os grandes feitos e o heroísmo, mas aquilo que é pequeno e humano”.
A originalidade de Aleksiévitch está em nos descortinar as mulheres não reconhecidas e que participaram ativamente de uma guerra crucial do século XX. Os relatos são crus e violentos, dando-nos uma realidade despida de heroísmo. O ambiente parece muito artificial para aquelas mulheres que usavam cuecas — por falta de calcinhas –, não menstruavam e trabalhavam dias sem dormir. O paradoxo entre ser mulher e soldado é um dos principais pontos dos relatos.
Não é um livro tão bom quanto Vozes de Tchernóbil — os fatos narrados em A guerra não nos causam as cada vez mais terríveis surpresas de cada capítulo daquele –, mas a autora bielorrussa nos dá uma notável contribuição para o entendimento do que foi o dia a dia do maior conflito armado de todos os tempos.

Svetlana Aleksiévitch
Svetlana Aleksiévitch

Do Blog do Milton Ribeiro

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