sexta-feira, 12 de abril de 2013

Literatura e tempo

No intervalo de uma oficina literária que dou na Biblioteca Pública do Paraná, caminho um pouco pelo amplo saguão para esticar as pernas. Esbarro, então, com versos contundentes de Helena Kolony (1912-2004) _ um dos nomes mais destacados da poesia paranaense. Em letras fortes, eles começam assim: "No movimento veloz/ de nossa viagem,/ embala-nos a ilusão/ da fuga do tempo". Minha memória não me ajuda: puxo um bloco e anoto. Foram tirados do livro "Infinito presente", que Helena publicou em xxxx.

Recuo um pouco e me acomodo em uma poltrona para ler com mais calma o quarteto seguinte. Continuo a anotar: "Poeira esparsa no vento/ apenas passamos nós./ O tempo é mar que se alarga/ no infinito presente". De imediato, numa dessas conexõs bruscas que nos vêm como uma rasteira, penso no capítulo nono de "Lavoura arcaica", a novela de Raduan Nassar, que estou j ustamente a estudar com meus alunos. Capítulo dedicado a um contudente discurso sobre o tempo.

Volto e recomeço por Helena. É muito boa a ideia de que não é o tempo que passa, mas somos nós, sim, que o atravessamos. Agarramo-nos à ilusão de que é o tempo que se desenrola à nossa frente, como uma longa passadeira, e que, veloz, é ele também que nos foge, mas é o contrário. Na travessia do tempo _ que se estende diante de nós como um deserto, ou um jardim _ somos nós que apressamos o passo (esterilidade), ou que o amansamos (fertilidade). Tudo, ou quase tudo, está em nossas mãos _ ou a nossos pés.

Somos nós quem dominamos o tempo, e não ele que nos domina. Ideia bastante próxima daquela apresentada pelo discurso do pai no capítulo nono do livro de Raduan. Está escrito: "Rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contraria ndo suas disposições, não se rebelando contra seu curso, não irritando sua corrente, estando atento a seu fluxo". Em poucas palavras: riqueza é atravessar o tempo com delicadeza.

Fecho um pouco os olhos, não para cochilar mas para pensar um pouco em mim mesmo. Desde que fiz 60 anos _ estou com 62 _ sempre converso com meus amigos de geração sobre a pressão discreta, mas insistente, que a passagem do tempo exerce sobre nós. Muitas vezes, talvez na maioria, vivemos a reclamar do tempo, a lhe atribuir as piores maldades, a enxovalhá-lo. Tanto os versos de Helena, como o capítulo nono de Raduan me levam a pensar que, antes de criticar o tempo e seu arrastar inexorável, devemos criticar a nós mesmos e à maneira como o usamos.

Há muita tristeza no tempo que escorre, mas há também muita beleza. Tudo depende do que dele conseguimos arrancar. Tudo depende do modo como nós o pisamos. Do ritmo de nossos passos. Da firmeza de nossa direção. Vejam só: uma poeta e um ficcionista, que na aparência trabalham "fora do tempo", me fazem encará-lo. Como uma ampla paisagem, que se abre em torno de mim. Como um cenário que me abriga e através do qual sou levado a caminhar. Ali sou eu quem escolhe os passos. Como uma criação minha, algo que escolho, em vez de uma condenação.
 

 
José Castello
 
 
Sugestão de postagem do amigo Adauto Neto

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