quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Graciliano Ramos: Da Prefeitura Municipal de Palmeira dos Índios, 1930

Em 1928 Graciliano Ramos assume o cargo de prefeito de Palmeira dos Índios, para o qual fora eleito em 1927. O primeiro relatório que envia ao governador Álvaro Paes, publicado na Imprensa Oficial de Alagoas, causa espécie pelo espírito e revela um magnífico escritor. Trago aqui o segundo, sobre o ano de 1929, que correu as redações do país. Leiam e depois digam: se todos os municípios brasileiros tivessem um prefeito assim – não digo com o mesmo talento do escritor, seria pedir muito a Deus, mas com o mesmo caráter do homem – que Brasil vocês acham que teríamos?
 
 
Relatório da Prefeitura Municipal de Palmeira dos Índios
 
Sr. Governador.
 
Esta exposição é talvez desnecessária. O balanço que remeto a V. Ex.a mostra bem de que modo foi gasto em 1929 o dinheiro da Prefeitura Municipal de Palmeira do Índios. E nas contas regularmente publicadas há pormenores abundantes, minudência que excitaram o espanto benévolo da imprensa.
 
Isto é, pois, uma reprodução de fatos que já narrei, com algarismo e prova de guarda-livros, em numerosos balancetes e nas relações que os acompanharam.
 
Receita – 96:924$985
 
No orçamento do ano passado houve supressão de várias taxas que existiam em 1928. A receita, entretanto, calculada em 68:850$000, atingiu 96:924$985.
 
E não empreguei rigores excessivos. Fiz apenas isto: extingui favores largamente concedidos a pessoa que não precisavam deles e pus termo à extorsões que afligiam os matutos de pequeno valor, ordinariamente raspados, escorchados, esbrugados pelos exatores.
 
Não me resolveria, é claro, a pôr em prática no segundo ano de administração a eqüidade que torna o imposto suportável. Adotei-a logo no começo.
 
A receita em 1928 cresceu bastante. E se não chegou à soma agora alcançada, é que me foram indispensáveis alguns meses para corrigir irregularidades muito sérias, prejudiciais à arrecadação.
 
Despesa – 105:465$613
 
Utilizei parte das sobras existentes no primeiro balanço.
 
Administração – 22:667$748
 
Figuram 7:034$558 despendidos com a cobrança das rendas, 3:518$000 com a fiscalização e 2:400$000 pagos a um funcionário aposentado. Tenho seis cobradores, dois fiscais e um secretário. Todos são mal remunerados.
 
Gratificações – 1:560$000
 
Estão reduzidas.
 
Cemitério – 243$000
 
Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável.

Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamavam.

 
Iluminação – 7:800$000
 
A Prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou um contrato para o fornecimento de luz. Apesar de ser o negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá.
 
Higiene – 8:454$190
 
O estado sanitário é bom. O posto de higiene, instalado em 1928, presta serviços consideráveis à população. Cães, porcos e outros bichos incômodos não tornaram a aparecer nas ruas. A cidade está limpa.
 
Instrução – 2:886$180
 
Instituíram-se escolas em três aldeias. Serra da Mandioca, Anum e Canafístula. O Conselho mandou subvencionar uma sociedade aqui fundada por operários, sociedade que se dedica à educação de adultos.
 
Presumo que esses estabelecimentos são de eficiência contestável. As aspirantes a professoras revelaram, com admirável unanimidade, uma lastimosa ignorância. Escolhidas algumas delas, as escolas entraram a funcionar regularmente, como as outras.
 
Não creio que os alunos aprendam ali grande coisa. Obterão, contudo, a habilidade precisa para ler jornais e almanaques, discutir política e decorar sonetos, passatempos acessíveis a quase todos os roceiros.
 
Uma Dívida Antiga – 5:210$000
 
Entregaram-me, quando entrei em exercício, 105$858 para saldar várias contas, entre elas uma de 5:210$000, relativa a mais de um semestre que deixaram de pagar à empresa fornecedora de luz.
 
Viação e Obras Públicas – 56:644$495
 
Os gastos com viação e obras públicas foram excessivos. Lamento, entretanto, não me haver sido possível gastar mais. Infelizmente a nossa pobreza é grande.
 
E ainda que elevemos a receita ao dobro da importância que ela ordinariamente alcançava, e economizemos com avareza, muito nos falta realizar. Está visto que me não preocupei com todas as obras exigidas. Escolhi as mais urgentes.
 
Fiz reparos nas propriedades do Município, remendei as ruas e cuidei especialmente de viação.
 
Possuímos uma teia de aranha de veredas muito pitorescas, que se torcem em curvas caprichosas, sobem montes e descem vales de maneira incrível.
 
O caminho que vai a Quebrangulo, por exemplo, original produto de engenharia tupi, tem lugares que só podem ser transitados por automóvel Ford e lagartixa.


Sempre me pareceu lamentável desperdício consertar semelhante porcaria.
 
 
Este é o ano do centenário do falecimento de Graciliano Ramos que nasceu em 27 de outubro de 1892, em Quebrangulo, Alagoas, e faleceu no Rio de Janeiro em 20 de março de 1953. Listo aqui os títulos de algumas de suas obras e creio não ser necessário dizer mais nada: Vidas Secas, São Bernardo, Memórias do Cárcere, Angústia, Insônia, Histórias Incompletas, Infância...
 
 
*Do Blog do Noblat
 

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