E ressurgem as propostas de “regulação” da mídia — na verdade, de regulação
do pensamento. “Livre pensar, é só pensar”, dizia Millôr Fernandes. A síntese é
perfeita porque remete a proposição à sua essência.
O ato de pensar é bastante em si, dispensa adjetivação, e contém, ínsito a
ele, o traço individual e único do seu agente. A liberdade está no ato,
desobrigado, de pensar. Ou de não pensar.
A Lei deve servir a essa faculdade do homem exclusivamente para assegurar-lhe
o direito de pensar como desejar; e de não pensar, isto é, de não considerar ou
de não formular opinião sobre qualquer assunto.
Igualmente, deve a Lei garantir-lhe o direito de pensar, a estender-se este
sobre qualquer tema, sob qualquer orientação.
Se o não pensar encerra-se em uma inação, o ato de pensar pede a sua
expressão. E esta a ele deve corresponder e assim ser igualmente livre, achando
o seu limite, exclusivamente, em igual liberdade, assegurada a terceiro. Ao não
pensar é garantida, em Lei, a correspondente reserva, assim como ao ato de
pensar é assegurada a sua expressão.
A preceituação da liberdade de pensamento só pode servir à sua proteção, para
preservar a sua integridade e manifestação. O desafio político às democracias
está em resistir à regulação que a submeta ao interesse do Estado — do
governo.
Se a liberdade de pensamento não é plenamente assegurada em Lei, e exercida
pelo cidadão, não há regime democrático.
Não há arma mais poderosa à disposição do homem do que o ato de pensar, cuja
expressão transmuda-se nas formas superiores da inteligência, em palavras,
imagens, formas e sons. Por essa razão, agravos à democracia não resistem à
plena manifestação do pensamento livre. Se esta é reprimida — e é contra ela que
se dirige diretamente a censura em qualquer forma —, o pensamento é recalcado
violentamente à sua fonte, para secá-la.
A censura atinge, sempre, o ato de pensar; atinge, portanto, ao surto da
inteligência, que o processa e gera o conhecimento, que constrói a cultura de um
povo. Não por acaso tirano e tiranetes investem contra o livre pensar, buscando,
por diversos meios, calar a mídia independente, que o amplifica.
Agem não apenas para suprimir críticas que lhes ameacem o poder, mas também
para extrair louvores dos que se submetem em uma genuflexão intelectual, receosa
ou interessada. Esquecidos de que a insubmissão intelectual é o traço distintivo
do homem civilizado.
Pedro Dutra é advogado
Fonte: O Globo

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