O homem doente da sociedade depressiva é literalmente "possuído" por um sistema biopolítico que rege seu pensamento à maneira de um grande feiticeiro. Não apenas ele não é responsável por coisa alguma em sua vida, como também já não tem o direito de imaginar que sua morte possa ser decorrente de sua consciência ou de seu inconsciente.
Recentemente, por exemplo, na ausência da mais ínfima prova e a despeito de vivos protestos de inúmeros psiquiatras, um pesquisador norte-americano teve a pretensão de afirmar que a causa exclusiva do suicídio residiria não numa decisão subjetiva, numa passagem ao ato ou no contexto histórico, mas numa produção anormal de serotonina.
Com isso se eliminaria, em nome de uma pura lógica químico-biológica, o caráter trágico de um ato intrinsecamente humano, de Cleópatra a Catão de Útica, de Sócrates a Mishima, de Werther a Emma Bovary. Seriam igualmente aniquilados, em virtude de uma simples molécula, todos os trabalhos sociológicos, históricos, filosóficos, literários e psicanalíticos, de Émile Durkheim a Maurice Pinguet, que
deram uma significação ética e não química à longa tragédia da morte voluntária.
É pela adoção de princípios idênticos que alguns geneticistas pretendem explicar a origem da maioria dos comportamentos humanos. Desde 1990, eles vêm tentando evidenciar o que denominam de mecanismos "genéticos" da homossexualidade, da violência social, do alcoolismo ou da esquizofrenia.
Elisabeth Roudinesco: A sociedade Depressiva — O Homem Comportamental
in Por Que a Psicanálise? Rio de Janeiro: Zahar, 2000
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