quinta-feira, 29 de setembro de 2011

STF pode eternizar aspas que conspurcam a ‘Justiça’

Certa vez, anotou-se neste blog: no Brasil, existe a “Justiça” e a Justiça. Existe o poder e tudo o que está implícito quando ele é invocado.

Pode soar como coletivo majestático ou pejorativo.
A Justiça sem aspas é igual para todos. Com aspas, vê mais igualdade em alguns do que em outros.

Dependendo do que fizer com o Conselho Nacional de Justiça, o STF pode livrar a Justiça das aspas ou eternizar o sinal gráfico que leva a “Justiça” à ruína.

O repórter Flávio Ferreira informa, na Folha, que correm no CNJ processos contra 35 desembargadores, autoridades máximas do Judiciário nos Estados.

Eles são acusados de malfeitorias variadas – de venda de sentenças a desvios de verbas públicas. Vinte dos acusados já sofreram algum tipo de punição.

Contra juízes de primeira instância, há na Corregedoria do CNJ cerca de 115 processos disciplinares. Desde a criação do CNJ, em 2005, puniram-se 49 magistrados.

O conselho levou à grelha inclusive um ministro do STJ: Paulo Medina, acusado de vender a pena a uma quadrilha que explorava máquinas de caça níqueis no Rio.

Pois bem. Todo esse incipiente trabalho de higienização pode ser convertido em poeira no plenário do Supremo, às voltas com o julgamento de uma ação antidetergente.

Movida pela AMB (Associação dos Magistrados do Brasil), a ação sustenta que a atividade correicional do CNJ afronta a Constituição.

Se o STF der razão à entidade corporativa, como parece ser a tendência da maioria dos ministros, o trabalho do CNJ vai virar essência de pó de nada.

Os condenados moverão ações para que as punições sejam revistas (muitos já protocolaram pedidos de revisão no STF). Os processos abertos descerão ao arquivo.

Entre eles uma investigação administrativa inaugurada no CNJ há escassas duas semanas, contra a desembargadora Willamara Leila de Almeida.

Presidente do Tribunal de Justiça de Tocantins, Willamara é investigada no CNJ sob acusação de participar de esquema de venda de sentenças.

Decidiu-se afastá-la de suas funções no tribunal até a elucidação do caso. Se a AMB prevalecer no plenário do STF, Willamara livra-se da grelha do CNJ.

O julgamento do Supremo deveria ter ocorrido nesta quarta (28). Acossado pela repercussão negativa, Cezar Peluso, presidente do STF, deu meia-volta.
Peluso, que também preside o CNJ, preferiu adiar a deliberação a arrostar o desgaste de uma tragédia anunciada nas páginas dos jornais.

Ao passar os poderes do CNJ na lâmina, o Supremo converteria em heroína instantânea a doutora Eliana Calmon, Corregedora do órgão.

Em defesa do CNJ, Eliana dissera que "bandidos escondidos atrás da toga" degradam a imagem do Poder Judiciário. Egresso da magistratura, Peluso rodou a toga.

Urdiu a divulgação de uma nota na qual 12 dos 15 conselheiros do CNJ desqualificaram Eliana, tachando as declarações dela de “levianas”.

O diabo é que o bom senso e a pauta de processos do CNJ dão razão à doutora. "Eu não tenho que me desculpar”, disse Eliana à repórter Mônica Bergamo.

Ela repisou: “Estão dizendo que […] ofendi todos os juízes do país. Eu não fiz isso de maneira nenhuma. Eu quero é proteger a magistratura dos bandidos infiltrados."

Louve-se a valentia da doutora. Sob as declarações da corregedora Eliana esconde-se uma evidência: sem aspas, a Justiça é cega. Com aspas, exibe um olfato notável.
A Justiça assegura direitos iguais para todos. Nos extremos da ação da AMB, a “Justiça” pode livrar os juízes indignos dos deveres mais elementares.

Dito de outro modo: A Justiça é a perspectiva de punição, mas a “Justiça” também é a possibilidade de eternização da impunidade.

Diz-se que as corregedorias dos tribunais cuidarão da limpeza. Conversa fiada. A história mostra que, nesse nível, o corporativismo dilui o detergente em água.

Ou o Supremo demonstra que Justiça é justiça ou fará da “Justiça” um território de supremas injustiças. Está-se diante de um desses pontos volta.

Repita-se: Ou STF acaba com a “Justiça”, reafirmando os poderes do CNJ, ou as aspas levarão a Justiça à ruína.


Texto de Josias de Souza

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