Há um poema de Ralph Waldo Emerson que, em tradução livre, diz mais ou menos o seguinte: “O cavaleiro serve ao cavalo/o organizador à organização/o comerciante à sua bolsa/quem come serve ao alimento/este é o tempo do ter/o tecido serve ao tear e o milho ao seu moinho. As coisas estão na sela e conduzem a humanidade”.
Com mais de cem anos, esta reflexão serve para explicar o presente. Nunca tantos dirigentes se reuniram tantas vezes e por tanto tempo, conduzidos perplexos e impotentes pelo movimento dos fatos e das coisas ao redor. Ao invés de reorientarem os destinos da humanidade, os “dirigentes” - políticos e economistas - agem como simples compradores de tempo, adiando o desenlace da crise.
Os fóruns internacionais aparecem na televisão como reuniões de cardeais - os governantes - auxiliados por teólogos - os economistas -, enquanto nas praças os “indignados” movimentam-se por Reforma para o futuro.
De crise em crise, reuniões e pronunciamentos, os governantes do mundo demonstram incapacidade política para entender a dimensão do problema e incapacidade estadista para propor alternativas; agem como impotentes atores de uma tragédia grega: não controlam o desenrolar da história, apenas representam.
Ou como comandantes de barco sem bússola, navegando em círculos ganhando tempo para ver se surge uma estrela nova no céu, ou se a tempestade acalma. Não parecem buscar reorientação, contentam-se em adiar o desenlace, comprando tempo, deixando as coisas e os fatos conduzirem os destinos imediatos dos povos.
Semana após semana, discute-se ajuda financeira, corte de gastos, aporte a bancos, taxas de juros e paridade cambial. E marcam-se novas reuniões. Não percebem a complexidade da armadilha na encruzilhada que a civilização industrial enfrenta, ou são impotentes para quebrar as amarras; ou pior, interessados e viciados na realidade e no curto prazo, não querem mudar o rumo; preferem o desastre, à mudança.
Já não há como aumentar os gastos públicos, mas sem eles o bem-estar social desaba e o crescimento econômico estanca. Não há como crescer sem vender, nem vender sem financiamento bancário, mas os bancos esgotaram as possibilidades para criar moedas e a capacidade para financiar o consumo.
A degradação ambiental mostra os riscos da tragédia ecológica, mas a proteção ambiental limita a possibilidade de crescimento. A oferta de energia precisa aumentar, mas as grandes represas destroem a biodiversidade, a energia nuclear é uma ameaça a ser evitada e as fontes alternativas são caras. Sem o povo satisfeito não se vence eleições, mas atender os desejos do povo agrava a crise.
Não há como romper a moeda única na Europa nem as inter-relações comerciais e financeiras do mundo global, mas a integração sacrifica a população das nações menos inovadoras.
Alguns podem pensar numa saída para a crise global e civilizatória, mas seus instintos políticos estão voltados para o eleitor local e as próximas eleições.
De tanto olhar para juros, moeda, dívida, câmbio e produção, os economistas e políticos não têm capacidade para ver a dimensão completa da civilização global. De tanto querer retomar o ritmo do crescimento da economia, não percebem a necessidade de mudar o rumo do futuro.
A prisão ao velho paradigma do crescimento a qualquer custo e a qualquer perfil do PIB impede os governantes de pensarem em alternativas que levem em conta as limitações do modelo que se esgotou depois de cem anos baseado no consumismo.
Soluções como, por exemplo, elevação do bem-estar pela redução da jornada de trabalho, ampliação da oferta de bens públicos e garantia de meio ambiente sadio não entram na lógica dos debates dos governantes.
E se propuserem essas soluções, seus eleitores não se satisfarão, porque desejam, sobretudo, retomar o mesmo caduco modelo esgotado.
Os “indignados” manifestam o descontentamento, mas não carregam ainda as cores da bandeira de uma nova civilização. Os jovens não lutam por um mundo diferente, mas para garantir no futuro os privilégios dos pais, no passado.
Só um novo modelo nas mãos de estadistas globais poderia trazer esperança de uma reorientação civilizatória. No entanto, nossos dirigentes e economistas, com raras exceções, continuam prisioneiros de fetiches, mitos, crenças do passado economicista da civilização industrial, condenados a compradores de tempo, sem oferecer alternativa e esperança.
Cristovam Buarque é professor da UnB e senador do PDT-DF
Fonte; Blog do Noblat
Fonte; Blog do Noblat
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