terça-feira, 23 de agosto de 2011

Viver é um descuido prosseguido.

Esta vida é de cabeça-para-baixo, ninguém pode medir suas perdas e colheitas.

Pensar mal é fácil, porque esta vida é embrejada.

A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar. A senvergonhice reina, tão leve, e leve pertencidamente, que por primeiro não se crê no sincero sem maldade.

Viver perto das pessoas é sempre dificultoso, na face dos olhos.

A vida não dá demora em nada.

Vida, e guerra, é o que é: esses tontos movimentos, só o contrário do que assim não seja.

A vida devia de ser como na sala do teatro, cada um inteiro fazendo com forte gosto seu papel, desempenho.

Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.

Certo de que, nesta vida? Pois eu nem costumo nunca xingar ninguém de filho daquela ou dessa, por receio de que seja mesmo verdade...

A primeira coisa, que um para ser alto nesta vida tem de aprender, é topar firme as invejas dos outros restantes...

A que era: que existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada uma pessoa viver - essa pauta cada um tem - mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que sozinho, por si, alguém ia poder encontrar o saber?

A vida é um vago variado.

A gente vive é caminhando de costas?

Tempo é a vida da morte: imperfeição.

Viver é muito perigoso.


Riobaldo em:
João Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas.

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