quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Direito X Ciência


Comecei o ano ouvindo uma defesa apaixonada da "ciência do direito" por concluinte da UFCG. Em uma dessas conversinhas triviais, o acadêmico se empolgou com o tema e sempre tratava o direito como ciência, afinal de contas há poucos dias concluiria o "curso de ciências jurídicas e sociais".

Mas afinal, direito é uma ciência? Até onde podemos relacionar regras sociais e comportamentos normativos e humanos com o cietificismo?

Ao longo dos acontecimentos e da história, três têm sido as principais concepções de ciência: a racionalidade (moldada no modelo da matemática); a empirista (que se investe do modelo da objetividade da medicina grega e da história natural do século XVII) e a construtivista (cuja forma de objetividade advém da idéia de razão como conhecimento aproximado).

A concepção racionalista defende o princípio pelo qual a ciência é um conhecimento racional, dedutivo e demonstrativo, capaz de provar a verdade necessária e universal de seus resultados e enunciados, sem deixar nenhuma dúvida.

Por sua vez, a concepção empirista afirma que a ciência é uma interpretação dos fatos baseada em observações e experimentos que permitem estabelecer induções e que ao serem completadas, oferecem a definição do objeto, suas propriedades e suas leis de funcionamento.

Em suma, a teoria racionalista era hipotético-dedutiva enquanto que a empirista era hipotético-indutiva.

Já a concepção construtivista considera a ciência uma construção de modelos explicativos para a realidade e não uma representação da própria realidade. O cientista combina dois procedimentos, um vindo do racionalismo, outro vindo do empirismo e a eles acrescentou um terceiro, vindo da idéia de conhecimento aproximativo e corrigývel.

A teoria construtivista tem por sustentáculos três exigências de seu ideal de cientificidade: a) que haja coerência entre os princípios que orientam a teoria; b) que os modelos dos objetos sejam construídos com base na observação e na experimentação; c) que os resultados obtidos possam não só alterar os modelos construídos, mas também alterar os próprios princípios da teoria, corrigindo-a.

No que pertine a questão da possibilidade das ciências humanas (onde se situa o direito) é importante dizer que a expressão “ciências humanas” refere-se àquelas ciências que têm o próprio ser humano como objeto e a situação dessas ciências é muito particular sob a ótica de alguns aspectos. Em primeiro lugar porque o objeto de seu estudo é o homem, projeto científico surgido apenas no século XIX. Em segundo lugar, porque surgiram depois que as ciências matemáticas e naturais estavam constituídas e já haviam definido a idéia de cientificidade, de métodos e conhecimentos científicos, de modo que as ciências humanas foram, naturalmente, levadas a imitar e copiar o que aquelas ciências já haviam estabelecido. Em terceiro lugar, as ciências humanas acabaram trabalhando por analogia com as ciências naturais e seus resultados tornaram-se muito contestáveis e pouco científicos.

Frente a isso, muitos cientistas e filósofos passaram a duvidar de ciências que tivessem o homem como objeto, apresentando, inclusive, contraponto e suscitando algumas objeções, quais sejam:

*A ciência lida com fatos observáveis, com seres e acontecimentos que, nas condições especiais de laboratório, são objetos de experimentação. Como observar-experimentar, por exemplo, a consciência humana, a formação de regras sociais, a feitura das leis, o litígio, o embate?

*A ciência busca as leis objetivas gerais, universais e necessárias aos fatos. Como estabelecer leis objetivas para o que é essencialmente subjetivo? Como estabelecer leis universais para algo que é particular, como é o caso da sociedade humana, objeto do direito!

*A ciência lida com fatos regidos pela necessidade causal ou pelo princípio do determinismo universal. O direito lida com o homem. O homem é dotado de razão, vontade e liberdade, é capaz de criar fins e valores, de escolher entre várias opções possýveis. Como dar uma explicação cientifica necessária àquilo que, por essência, é contingente, pois é livre e age por liberdade?

*A ciência lida ainda com fatos objetivos. Ora, o homem (objeto do direito) é justamente subjetivo, sensível, afetivo, valorativo. Como transformá-lo em objetividade sem destruir sua principal característica, a subjetividade?

A tese de que o direito não é uma ciência pode até não ser a temática dominante, mas, sem maiores delongas, ao menos é a minha singela opinião. Filio-me inteiramente a corrente filosófica que não abaliza o direito como verdadeiramente uma ciência em sua expressão conceitual e constitutiva.

- Que saudade dos bancos escolares!

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