quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Speed Racer


Tive uma infância muito comum às crianças nordestinas: pobre e feliz. Pobre porque criança nunca pode comprar o que verdadeiramente deseja, feliz porque todo pobre é alegre, assim como todo garoto do meu naipe; sem brinquedos sofisticados e diversão quase nenhuma, afora as cantigas de roda, bate-bate e outros delitos mais como roubar siriguelas da casa do velho Afonso, o que me rendeu memoráveis sermões e até puxões de orelha.

A saída para incrementar a distração passava obrigatoriamente pela tarefa de fazer amizade com algum menino mais abastado. Em suma: uma amizade por puro interesse. Interesse nos brinquedos e na televisão dele, claro!

E foi assim que conheci o Zé de Creuza, peladeiro de primeira hora. Parecia que aquele peste tinha nascido com uma bola amarada nos pés, um craque com a bola e um problema na escola. No campinho de terra batida não sobrou ninguém na rua do fogo (atualmente rua Capitão Lindolfo) que houvesse resistido a um de seus dribles. Jogava pelo prazer, ou melhor, pelo prazer de humilhar os adversários. Mais para mim, a grande virtude do Zé era ter brinquedo novo, a pilha, e uma enorme televisão na sala.

Depois da pelada, todos as tardes, íamos todos ver televisão e eu ficava fascinado com o desenho do Speed Racer. Era demais! Me via guiando aquele carro fantástico, o Mach 5, fazendo piruetas ao volante, saltando obstáculos e vencendo as mais difíceis corridas. Speed era um piloto incrível, pilotava o seu Mach 5 tão bem quanto os dribles de Zé de Creuza.

Ao final do episódio, voltava para casa pensando como seria bom possuir aquela máquina voadora. E viajava nos meus sonhos, o pilotava na minha tenra imaginação de criança pobre. Fazia do meu cavalo de pau corisco o meu Mach 5 e me entusiasmava quando tinha de pular algum obstáculo, no meu caso, um esgoto que corria lateralmente a minha casa.

Na impossibilidade de possuir aquele fenômeno das pistas, aprendi com muita facilidade a traçar todos os detalhes do carro, a frente em formato de “M”, a cor branca, o volante, os pneus especiais e o compartimento onde, vez por outra, o seu macaquinho e Zequinha se enfiavam às escondidas. Até o corredor X, irmão desconhecido do Speed, eu estava rabiscando em meus cadernos. Era o meu sonho de consumo de criança pobre e uma forma de tê-lo comigo. Não queria nada além, bastava-me o Mach 5.

Os anos passaram-se, a TV Tupi foi extinta e levou com ela as tardes do Speed. Nunca mais pude guiar aquela máquina.

Pois não é que agora estão lançando o meu carro de novo no cinema? Uma maravilha! Pude vê-lo pela rede mundial de computadores e acredite, ele está mais lindo e poderoso.

Soube também que o Mach 5 foi exposto a venda no salão do automóvel em Tóquio. O problema é que continuo pobre e já não tenho o cavalo corisco. Mas, como nessa vida para todo caminho há um atalho, o amigo Adauto cuidou de encurtar a minha saudade e presenteou-me com uma miniatura do meu Mach 5. Uma maravilha! Igualzinho ao de Tóquio, exceto pelo tamanho.

Quanto a dirigi-lo aí são outros quinhentos.

Todas as tardes, depois da pelada, fecho os olhos para rever aquele carro, belo, único, inconfundível. E ele sempre vem, tão claro, tão nítido, tão lindo, como só as coisas que não existem.

Um comentário:

Unknown disse...

ALGUEM AÍ SE LEMBRA DO CORREDOR X ?