domingo, 24 de maio de 2020

Ele foi preso e esquecido por lutar contra os castigos cruéis da Marinha

João Cândido Felisberto alistou-se na Marinha do Brasil, em janeiro de 1895, com apenas 14 anos de idade. Teve uma carreira extensa de viagens pelo Brasil e por vários países do mundo nos 15 anos em que esteve na ativa da Marinha de Guerra. De acordo com sua ficha, nos anos em que permaneceu na Marinha, foi castigado em nove ocasiões, preso entre dois e quatro dias em celas solitárias “a pão e água”, além de ter sido duas vezes rebaixado de cabo a marinheiro. Revoltado com os castigos impostos aos negros pela Marinha do Brasil, foi líder da “Revolta da Chibata”.

João nasceu em 24 de junho de 1880, na então província (hoje estado) do Rio Grande do Sul, no município de Encruzilhada (hoje Encruzilhada do Sul), na fazenda Coxilha Bonita, que ficava no vilarejo Dom Feliciano. João era filho dos ex-escravos João Felisberto e Inácia Cândido Felisberto.

O uso da chibata como castigo na Marinha brasileira já havia sido abolido em um dos primeiros atos do regime republicano, o decreto número 3, de 16 de Novembro de 1889, assinado pelo então presidente marechal Deodoro da Fonseca. Mas o castigo cruel continuava a ser aplicado, a critério dos oficiais da Marinha de Guerra do Brasil. Num contingente de 90% de negros e mulatos, centenas de marujos continuavam a ter seus corpos retalhados pela chibata, como no tempo da escravidão.

Entre os marinheiros insatisfeitos com a má alimentação e, principalmente, com os degradantes castigos corporais, crescia o clima de tensão.

Os marinheiros iniciaram um movimento conspiratório com vistas a tomar uma atitude mais efetiva no sentido de acabar com a chibata na Marinha de Guerra do Brasil.

Esgotadas as tentativas pacíficas e propositivas dos marinheiros, incluindo uma audiência de João Cândido no Gabinete do presidente anterior, Nilo Peçanha, e na presença do ministro da marinha, Alexandrino de Alencar, sem qualquer providência efetiva para o fim dos castigos físicos, os marinheiros decidiram que iriam fazer  uma revolta pelo fim do uso da chibata em 25 de novembro de 1910.

João Cândido assumiu por indicação dos demais líderes o comando geral de toda a esquadra revoltada. Controlou o motim, fez cessarem as mortes e enviou radiogramas pedindo a abolição dos castigos corporais na Marinha. Foi chamado na época, pela imprensa, como Almirante Negro. No ultimato dirigido ao Presidente Hermes da Fonseca, os revoltosos declararam: “Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira”. A rebelião terminou com o compromisso do governo federal em acabar com o emprego da chibata na Marinha e de conceder anistia aos revoltosos.

Mas o governo não cumpriu o acordo e pediu a expulsão de marinheiros que representassem risco, o que era uma quebra de palavra, uma traição do texto da lei de anistia. Houve um segundo levante, fortemente reprimido pelo governo, e João Cândido foi expulso da Marinha e preso, em dezembro. No mesmo mês, ele foi enviado para uma masmorra na Ilha das Cobras, onde vários companheiros dele morreram.

Em abril de 1911, João Cândido foi transferido para o Hospital dos Alienados, como louco, mas recebeu alta e voltou para a Ilha das Cobras, de onde foi solto em 1912, absolvido das acusações juntamente com nove companheiros. Banido da Marinha, João Cândido sofreu grandes privações, vivendo precariamente, trabalhando como estivador e descarregando peixes na Praça XV, no centro do Rio de Janeiro.

Discriminado e perseguido pela Marinha até o final da sua vida, recolheu-se no município de São João de Meriti. Morreu por causa de um câncer, em 6 de dezembro de 1969, aos 89 anos de idade.
A sua memória foi resgatada jornalisticamente a partir de 1959, com o lançamento do célebre livro ‘A Revolta da Chibata’, de Edmar Morel; musicalmente, na década de 1970, pelos compositores João Bosco e Aldir Blanc, e no samba ‘O mestre-sala dos mares’.


Maria Fernanda Garcia 
Fonte aqui

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