Com a pandemia preocupando toda a população, especialistas ao redor
do mundo inteiro lutam para desenvolver uma vacina. Esse
processo normalmente leva anos, então a tarefa de trazê-la à tona o mais
rápido possível é muito desafiadora. Mesmo que os cientistas
desenvolvam uma vacina segura e amplamente eficaz, planejar como
administrá-la a bilhões de pessoas envolve uma série de protocolos. No
início, a oferta será escassa e, dependendo de como a suspensão será
feita, pode ser potencialmente difícil de transportá-la. Sendo assim,
além de precisar descobrir essa vacina, também há o desafio de suprir a
necessidade de tantas pessoas. A abordagem mais provável, portanto, é
oferecer a vacina, inicialmente, apenas a membros de grupos específicos.
No entanto, alguém terá que decidir quais grupos serão prioridade — e
por qual país começar, caso a distribuição seja mundial.
Essa ordem será difícil de entender. Mesmo que a resposta seja
"quem corre mais risco de morrer", os dados epidemiológicos ainda não
estão claros sobre qual grupo atende com mais urgência a esse
critério. As pessoas mais velhas têm maior probabilidade de ficar
gravemente doentes e morrer, mas os pesquisadores ainda estão tentando
descobrir o papel que as crianças desempenham como transportadoras do
coronavírus, por exemplo.
Dezenas de empresas estão disputando a corrida pela entrega da
primeira vacina comprovadamente eficaz contra a COVID-19 — a exemplo da Moderna,
que já aprovou sua primeira fase de testes com humanos na Califórnia.
Aprovadas as etapas laboratoriais e após passarem por três etapas de
estudos clínicos, o próximo passo é conseguir o aval das agências
regulamentadoras (no caso dos Estados Unidos, a FDA) para, então,
iniciar a fase comercial.
"É inevitável que a vacina chegue de
maneira mais lenta do que gostaríamos. Não vamos ter 350 mil doses sendo
distribuídas no primeiro dia", relata Andrew Pavia, chefe de doenças
pediátricas infecciosas na Universidade de Utah, ao USA Today. A maioria
dos especialistas concorda que a vacina deverá ser administrada,
primeiro, a quem está mais exposto ao risco de contrair COVID-19 (como
trabalhadores da área da saúde, que atuam na linha de frente no combate
ao vírus, bombeiros, policiais e atendentes de lojas e supermercados),
ou a quem possa desenvolver sintomas mais agressivos — os chamados
grupos de risco.
Em entrevista à Wired, Andreas Handel, especialista em doenças
infecciosas da Universidade da Georgia, explica que quanto mais
refinadas forem essas diretrizes, melhor podemos definir os grupos mais
vulneráveis, tanto em relação ao risco que eles têm de se infectar
quanto ao risco de resultados graves. Para ele, talvez as pessoas com
alto risco de contrair a doença, mas com menor risco de apresentarem
maus resultados, devam ser as primeiras da fila. Isso pode significar
priorizar as pessoas com empregos de alta exposição que envolvem muito
contato público ou resolver os problemas sistêmicos que levaram as
pessoas mais pobres, afro-americanas e latinas a enfrentar mais doenças e
mortes por COVID-19. De qualquer forma, isso não é nem um pouco fácil.
A corrida dos países em busca da vacina
Quanto
à ordem dos países na fila de espera da vacina, ainda há um grande
desafio a ser resolvido — e é aí que medicina, política e economia se
cruzam. Com bilhões de vidas e trilhões de dólares, e o mundo inteiro
dependendo de uma vacina para a COVID-19, os cientistas estão
trabalhando para criar uma candidata eficaz e segura o mais rápido
possível. Isso porque a prioridade para qualquer país é proteger os
próprios cidadãos, e os governos podem reservar suprimentos produzidos
dentro de suas fronteiras para uso próprio e doses de estoque para
futuras ondas de contágio. Especialistas alertam que, mesmo após o
desenvolvimento de uma vacina bem-sucedida, pode levar anos até ser
suficiente para ajudar outros países.
Em entrevista ao Voice of
America, Bryan Mercurio, professor de Direito da Universidade de Hong
Kong e especialista em patentes de medicamentos, estimou que a China e
os EUA tentariam convencer os países a aprovar sua vacina primeiro.
Segundo ele, desde os primeiros dias do surto na China, o governo deixou
claro que está procurando um campeão nacional nesta corrida global pela
cura. Na China, o desenvolvimento de uma vacina é visto como
um jogo olímpico.
E, de fato, algumas candidatas a vacina chinesas já estão em estágio
avançado. Após sair da etapa pré-clínica, os estudos clínicos
(randomizados, controlados) em humanos precisam de mais três etapas até
serem concluídos. Geralmente, a primeira envolve um grupo menor de
pessoas, a segunda um grupo maior e a terceira um grupo grande e bem
controlado, com uma série de diretivas e variáveis a serem analisadas.
Segundo a Aliança Global para Vacinas e Imunização (Gavi), o CanSino
Biologics Inc, com sede em Tianjin, atualmente já se encontra na segunda
fase, com um estudo que envolve 108 indivíduos do Hospital Tongji, em
Wuhan, onde começou a pandemia. Enquanto isso, o Wuhan Institute também
já tem uma vacina na segunda fase do estudo clínico, com 96 pessoas em
três faixas etárias diferentes recebendo as doses. Nesse caso, o ensaio
clínico iniciou em 23 de abril.
Logo atrás, na primeira fase,
estão a BioNTech, da Alemanha, a Universidade de Oxford, no Reino Unido,
e o Beijing Institute, também da China. Moderna e Inovio
Pharmaceuticals, nos EUA também já se encontram nessa primeira fase.
Enquanto isso, a NOVAVAX, dos EUA e a Universidade de Queenland, da
Austrália, ainda estão na etapa pré-clínica, a um passo de ingressar
essa primeira fase.
Peter Smith, ex-presidente do Comitê Consultivo Global de
Segurança de Vacinas da OMS, disse também ao Voice of America que a
Organização Mundial da Saúde estava incentivando mais países e empresas a
se unirem aos esforços para produzir uma vacina segura e eficaz:
"Quanto mais grupos tentarem desenvolver uma vacina, melhor. Certamente
precisaremos de mais de um para atender à capacidade necessária".
Também
à Wired, Peter Hotez, decano da National School of Medicine no Baylor
College of Medicine, pontua: "A história nos mostra que as primeiras
vacinas licenciadas geralmente não são as mesmas utilizadas amplamente.
Normalmente, elas são substituídas por outras após os anos iniciais",
explica. "Vamos melhorar isso", espera o professor.
E quanto ao Brasil?
A
essa altura, imaginamos que essa seja uma questão que venha à tona.
Acontece que o país conta com as fábricas de Bio-Manguinhos/Fiocruz e
com o Instituto Butantã, dois dos maiores centros da América Latina. Em
entrevista ao jornal O Globo, Akira Homma, pesquisador emérito da
Fiocruz, disserta que um dos desafios é que ainda não se conhece a
plataforma tecnológica que será usada, o que dificulta a
adaptação. Segundo ele, a fundação “está em contato com grandes
laboratórios” do mundo, para parcerias: "Se houver uma plataforma
tecnológica de que não dispomos, muito distante da nossa, demorará mais
para produzirmos", aponta.
Por sua vez, também em entrevista ao Globo, José Gomes Temporão, que
foi ministro da Saúde durante a epidemia de H1N1, diz que as instalações
do Instituto Butantã permitiram, na época, a imunização de 100 milhões
de pessoas, e ressalta a possibilidade do mesmo instituto ser usado para
o coronavírus. Para ele, tudo vai depender da tecnologia utilizada, e
não se sabe se será mais ou menos complexa, ou se demandará uma produção
mais lenta ou mais breve. "Mas o Brasil é o único país em
desenvolvimento que tem duas grandes fábricas, e isto nos dá uma
vantagem", afirma.
Fonte: Wired, USA Today, Gavi, Voice of America, O Globo
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