"Cachorrinha" morava no interior do Ceará. Tinha 4 anos. Quando o
cheiro de comida se espalhava pelo ar, gemia, sem força, pedindo
comida. Às vezes, ganhava. Outras, levava bronca. Um dia, agentes
sanitários entraram na casa para fazer dedetização. Já no final da
vistoria, um deles escutou um grito fraco, vindo na direção da cama.
Debaixo do colchão, sob várias peças de roupas, estava "Cachorrinha".
Não era um animal, mas uma menina que, desnutrida, estava quase morta.
Sofria constantes ataques de violência física e psicológica por parte
dos pais, que deram a ela o apelido pejorativo. O caso, relatado por
profissionais do Centro de Combate à Violência Infantil (Cecovi), não é
isolado. Nas últimas semanas, o Brasil ficou estarrecido com histórias
de abandono, maus-tratos, infanticídio e tentativa de homicídio contra
crianças. Pais que, em vez de proteger, representam aos filhos uma
ameaça.
Estudos internacionais apontam que, em 70% dos casos, a violência
infantil é praticada pelo pai ou pela mãe. Estatísticas do Sistema de
Informação para a Infância e Adolescência (Sipia), do Ministério da
Justiça, confirmam a tendência. Das 496.398 ocorrências registradas de
1999 a 2005, 50% tiveram os pais como agressores. Depois da violação ao
direito da convivência familiar, os casos mais citados são violência
física e psicológica. Só em 2005, segundo dados preliminares do Sipia,
foram registradas 70 mil ocorrências, o que significa uma média diária
de 189 agressões.
Apesar de reforçar a informação de que o perigo está em casa, o
Sipia não consegue retratar, numericamente, todos os casos ocorridos no
Brasil. O sistema é abastecido pelos conselhos tutelares que, além de
não estarem presentes em todos os municípios brasileiros, nem sempre
recebem denúncias desta natureza.
Embora faltem pesquisas oficiais abrangentes, um diagnóstico
elaborado pelo Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São
Paulo (Lacri/USP), com dados coletados em hospitais, centros de saúde,
SOS Criança, escolas e varas da infância, entre outros locais,
identificou 129.495 casos de violência contra crianças de 1996 até o
ano passado. Dessas, 32,1% eram agressões físicas, 16,1% psicológicas e
0,4%, ou 505 ocorrências, terminaram em morte. Em 2005, foram
registradas 19.245 ocorrências.
Crueldade gratuita.
"Desde que me formei, vejo casos de pais que maltratam os filhos.
Já vi criança que foi jogada na fogueira e na frigideira, com ruptura
de órgãos e traumatismo por causa de chutes e cascudos", relata Lauro
Monteiro, chefe do serviço de pediatria do hospital Souza Aguiar, do
Rio de Janeiro.
Por receber diversos pacientes com sintomas de agressão doméstica,
há 18 anos o médico fundou a Associação Brasileira Multiprofissional de
Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia), organização
não-governamental (ONG) que desenvolve programas de combate à violência
infantil.
As causas dos maus-tratos infligidos aos filhos são variadas. "O
principal motivo é cultural. Os pais acham que o castigo físico é uma
forma de educar, mas estão errados", ressalta Maria Leolina Couto
Silva, coordenadora nacional do Centro de Combate à Violência Infantil
(Cecovi), ONG que presta atendimento psicológico e jurídico às vítimas.
A advogada enumera outros fatores: abuso de drogas e álcool,
fanatismo religioso e baixa resistência ao estresse. Segundo ela, de
20% a 30% dos casos de violência doméstica ocorrem quando os pais estão
bêbados ou se drogaram. Maria Leolina também diz que religiões que
interpretam a Bíblia de forma literal pregam o castigo físico para
educar as crianças.
Há casos em que os pais alegaram que maltrataram os filhos porque
"um espírito maligno mandou". Despreparados, outros descontam na
criança, o ente mais fraco da família, seus medos e frustrações. "E são
pessoas normais do ponto de vista patológico", diz. Estudos indicam que
apenas 10% dos agressores têm distúrbios psiquiátricos.
Para Lia Junqueira, coordenadora Centro de Referência da Criança e
do Adolescente (Crea), o atendimento prestado à vítima da violência
deve ser cuidadoso. "Se não houver um atendimento especial, a criança
acaba sendo vítima duplamente da violência", diz.
Maria Leolina Couto Silva, coordenadora nacional do Centro de Combate à Violência Infantil (Cecovi)
cheiro de comida se espalhava pelo ar, gemia, sem força, pedindo
comida. Às vezes, ganhava. Outras, levava bronca. Um dia, agentes
sanitários entraram na casa para fazer dedetização. Já no final da
vistoria, um deles escutou um grito fraco, vindo na direção da cama.
Debaixo do colchão, sob várias peças de roupas, estava "Cachorrinha".
Não era um animal, mas uma menina que, desnutrida, estava quase morta.
Sofria constantes ataques de violência física e psicológica por parte
dos pais, que deram a ela o apelido pejorativo. O caso, relatado por
profissionais do Centro de Combate à Violência Infantil (Cecovi), não é
isolado. Nas últimas semanas, o Brasil ficou estarrecido com histórias
de abandono, maus-tratos, infanticídio e tentativa de homicídio contra
crianças. Pais que, em vez de proteger, representam aos filhos uma
ameaça.
Estudos internacionais apontam que, em 70% dos casos, a violência
infantil é praticada pelo pai ou pela mãe. Estatísticas do Sistema de
Informação para a Infância e Adolescência (Sipia), do Ministério da
Justiça, confirmam a tendência. Das 496.398 ocorrências registradas de
1999 a 2005, 50% tiveram os pais como agressores. Depois da violação ao
direito da convivência familiar, os casos mais citados são violência
física e psicológica. Só em 2005, segundo dados preliminares do Sipia,
foram registradas 70 mil ocorrências, o que significa uma média diária
de 189 agressões.
Apesar de reforçar a informação de que o perigo está em casa, o
Sipia não consegue retratar, numericamente, todos os casos ocorridos no
Brasil. O sistema é abastecido pelos conselhos tutelares que, além de
não estarem presentes em todos os municípios brasileiros, nem sempre
recebem denúncias desta natureza.
Embora faltem pesquisas oficiais abrangentes, um diagnóstico
elaborado pelo Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São
Paulo (Lacri/USP), com dados coletados em hospitais, centros de saúde,
SOS Criança, escolas e varas da infância, entre outros locais,
identificou 129.495 casos de violência contra crianças de 1996 até o
ano passado. Dessas, 32,1% eram agressões físicas, 16,1% psicológicas e
0,4%, ou 505 ocorrências, terminaram em morte. Em 2005, foram
registradas 19.245 ocorrências.
Crueldade gratuita.
"Desde que me formei, vejo casos de pais que maltratam os filhos.
Já vi criança que foi jogada na fogueira e na frigideira, com ruptura
de órgãos e traumatismo por causa de chutes e cascudos", relata Lauro
Monteiro, chefe do serviço de pediatria do hospital Souza Aguiar, do
Rio de Janeiro.
Por receber diversos pacientes com sintomas de agressão doméstica,
há 18 anos o médico fundou a Associação Brasileira Multiprofissional de
Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia), organização
não-governamental (ONG) que desenvolve programas de combate à violência
infantil.
As causas dos maus-tratos infligidos aos filhos são variadas. "O
principal motivo é cultural. Os pais acham que o castigo físico é uma
forma de educar, mas estão errados", ressalta Maria Leolina Couto
Silva, coordenadora nacional do Centro de Combate à Violência Infantil
(Cecovi), ONG que presta atendimento psicológico e jurídico às vítimas.
A advogada enumera outros fatores: abuso de drogas e álcool,
fanatismo religioso e baixa resistência ao estresse. Segundo ela, de
20% a 30% dos casos de violência doméstica ocorrem quando os pais estão
bêbados ou se drogaram. Maria Leolina também diz que religiões que
interpretam a Bíblia de forma literal pregam o castigo físico para
educar as crianças.
Há casos em que os pais alegaram que maltrataram os filhos porque
"um espírito maligno mandou". Despreparados, outros descontam na
criança, o ente mais fraco da família, seus medos e frustrações. "E são
pessoas normais do ponto de vista patológico", diz. Estudos indicam que
apenas 10% dos agressores têm distúrbios psiquiátricos.
Para Lia Junqueira, coordenadora Centro de Referência da Criança e
do Adolescente (Crea), o atendimento prestado à vítima da violência
deve ser cuidadoso. "Se não houver um atendimento especial, a criança
acaba sendo vítima duplamente da violência", diz.
Maria Leolina Couto Silva, coordenadora nacional do Centro de Combate à Violência Infantil (Cecovi)
Nenhum comentário:
Postar um comentário