Gosto muito de ovo. Ovo frito. Ovo escaldado, com pão torrado. Coisa
boba, o fato é que comecei a pensar sobre as razões por que gosto de
ovo. Lembrei-me…
Meu pai era viajante. Passava a semana fora de
casa. Voltava às sextas-feiras, no trem das oito. Noite escura, o trem
das oito vinha apitando na curva, resfolegando de cansado, expelindo
enxames de vespas vermelhas, chamuscava uma paineira, entrava na reta,
passava a dez metros da nossa casa, todos nós estávamos lá, o pai com a
cabeça de fora, sorrindo, e todos corríamos para a estação. Ele vinha
com fome e sujo. Água quente não havia. Mas não tinha importância. Da
leitura do Evangelho havíamos aprendido de Jesus, no lava-pés, que quem
está com os pés limpos tem o corpo inteiro limpo. A coisa, então, era
lavar os pés. E esse era o costume geral lá em Minas. Minha mãe
esquentava água no fogão de lenha, punha numa bacia e eu lavava os pés
do meu pai. Depois de limpo, ele se assentava à mesa e o que tinha para
comer era sempre a mesma coisa: arroz, feijão, molho de tomate e cebola,
ovo frito e pão. Ele me punha assentado ao joelho e comia junto.
Ah, como é gostoso comer pão ensopado no molho de tomate, pão
lambuzado no amarelo mole do ovo! Era um momento de felicidade. Nunca me
esqueci. Acho que quando enfio o pão no amarelo mole do ovo eu volto
àquela cena da minha infância. Os poetas, somente os poetas, sabem que
um ovo é muito mais que um ovo…
Rubem Alves
Rubem Alves, crônica do livro “Ostra feliz não faz pérola”. Editora Planeta, 2008.
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