domingo, 28 de julho de 2019

O senhor da noite

Toca sanfona em praça pública e sempre consegue mais do que precisa para o quarto de pensão e o pê-efe. O dinheiro que sobra ele aplica na Raspinha. Já ganhou duas vezes. Sem saber até hoje, o vendedor bem quieto ficou com o prêmio.
— Roubando cego, hein! - disse um bêbado que percebeu a malandragem.

Os olhos são duas caçapas de mesa de sinuca, lacradas por uma courama murcha.

Em Peabiru, foi sanfoneiro de zona. Trabalhava de noite e cochilava de dia no quarto das mulheres. Os gigolôs nem se incomodavam com a presença de um morcego.

Em Curitiba, continua sua vida noturna sob o sol. Das nove às vinte horas pode ser encontrado no calçadão da Rua XV, nunca no mesmo lugar. Pula de um canto para outro do tabuleiro este que é o senhor da noite.

Sapo é seu fiel empresário. Cuida para que ninguém roube as gorjetas. Vigia a sanfona e o banquinho enquanto Tome sai para o almoço ou para jogar. Olhos vermelhos de bebida, Sapo recebe indiferente o sanduíche de pão com vina e a garrafinha de refri. No final do dia fica com 20% dos lucros, que ele contabiliza errado, roubando o que pode. Com o que consegue indevidamente, à noite se embebeda.

Agora o Tomé vai pro restaurante, tateando o chão com a bengala. Os meninos que catam papel, ao vê-lo, gritam por pura diversão.

— Pega!

— Isso mesmo, vamos pegar o dinheiro do Tomé.

— Está no bolso da calça.

— Aproveita que ninguém tá vendo.

— Agora!

Em pânico, ele fica parado, atrapalhando as pessoas que passam. Encolhe-se todo, as mãos protegendo o bolso, e chora em silêncio, na sua solidão de cego.

As lágrimas escorrem para dentro.


Miguel Sanches Neto

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