Persiste um sentimento, não declarado mas evidente, de que criminoso tem que sofrer mesmo, que condições mais humanas nos cárceres são um luxo imerecido
‘Empatia’, nos diz o dicionário, é a capacidade de sentir o que
sentiria na situação ou nas circunstâncias experimentadas por outro. Ou
seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro e sentir o que ele
sente, um requisito não só para a solidariedade e a caridade, mas para a
vida civilizada.
Há situações refratarias à empatia, que, por mais que você tente, não
consegue imaginar. Você pode se imaginar preso, mas não consegue
imaginar, por ser tão distante das suas expectativas, estar numa cela em
que cabem cinco, com 15 — ou mais.
O sistema carcerário brasileiro é um escândalo que atravessa os tempos e os governos e só se agrava.
O ódio e a revolta nutridos pela condição desumana das cadeias
superlotadas explodem, como nesse horror em Manaus, ultrapassam o nosso
imaginário e destroçam qualquer tentativa de empatia.
A empatia falta porque não temos como experimentar o monstruoso, mas
também falta em quem tem a responsabilidade de enfrentá-lo, e diminuir o
escândalo.
Nossa empatia com o que sofrem os apenados vai até a selvageria de
Manaus e do Carandiru, depois entramos no território do inimaginável,
onde a empatia não alcança.
Já o descaso de sucessivos governos com a desumanidade das nossas prisões, o outro nome da falta de empatia, é criminoso.
Tanto a nossa falta de empatia quanto o descaso das autoridades, que
gera o horror, vêm do nosso passado escravocrata, do tempo da chibata.
Persiste um sentimento, não declarado mas evidente, de que criminoso tem
que sofrer mesmo, que condições mais humanas nos cárceres são um luxo
imerecido.
Vale lembrar que os policiais acusados pelas mortes no Carandiru foram absolvidos.
Em Manaus, duas facções se enfrentaram ferozmente, e os perdedores
foram mortos e, em muitos casos, desmembrados. Você lê a notícia
terrível e tenta pensar em algum alento. Eram bichos, não eram homens.
Não tenho nada a ver com eles. Somos de raças diferentes, vivemos em
países diferentes. Mas o consolo não funciona.
Sou da raça dos responsáveis pelo que eles se tornaram. Vivemos no
mesmo país, mas não há nada que eu possa oferecer aos meus conterrâneos.
Nem minha empatia.
Luis Fernando Veríssimo
Do Blog do Noblat
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