sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Quem morreu não morre de um ano para o outro porque a saudade é uma mágoa que não se mede em anos, talvez só mesmo em vidas. (Quantas vidas durará uma morte?) Quem morreu vive enquanto os que cá ficam viverem. Tudo em nós é fruto deles, avós, pais, tios, maridos, mulheres, irmãos, primos. Tragicamente também filhos. Somos uma continuação, uma identidade que perdura, um apelido que ecoa, um hábito que se mantém, uma teimosia que permanece, formas de andar, cores de olhos, jeitos de ser, gestos, tipos de rosto, feitios, maneiras de estar. Às vezes somos até tal e qual. E é por isso que nos dias de festa os vivos mais morrem com saudades daqueles que morreram. É nos dias de mais ruído que o silêncio da ausência mais se ouve e é nos dias de mais fartura que se sente uma mesa menos farta de ternura. A morte dos que amámos nasce mais no Natal, principalmente à hora de jantar. Mas há quem ponha sempre um lugar à mesa – a cadeira apenas aparentemente está vazia – e encha o copo de vinho e sirva o prato de comida e de doces. Principalmente de sonhos. E há quem dispense presépios, luzes e pinheiros e lhe baste uma fotografia em cima de uma cômoda. A iluminar. Há menos morte para quem continua a amar e por isso a morte custa muito mais.

Vítor Encarnação

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