O menino-Deus veio ao
mundo num quadro de extrema humildade e despojamento. Um pobre carpinteiro sai
com sua mulher de Nazaré e viaja primitivamente até Belém, para cumprir uma
disposição legal do Império – o recenseamento. Estando ali – como diz o Evangelista
– aconteceu completarem-se os dias em que Maria devia dar à luz. E deu à luz o
seu filho primogênito, e o enfaixou, e o reclinou numa manjedoura; porque não
havia lugar para eles na estalagem.
Cristo assume assim
obscuramente o seu destino humano. Entra no tempo e na história pela porta da
maior modéstia. O carpinteiro, sua mulher grávida obrigada a uma penosa viagem,
a falta de lugar nas estalagens – tudo fala eloquentemente de uma pobreza
singela e anônima. A primeira lição, pois é a do desprendimento absoluto, da
absoluta pobreza.
O Natal soa, por isso
mesmo, em nosso mundo de 1966, como um escândalo, só comparável àquele outro
escândalo que encerra o ciclo do Redentor da terra – a morte na cruz. Que
sentido terá, para a nossa mentalidade destes dias, essa estranha festa da
esperança, que nos convida a renascer segundo valores que negam e repudiam os
critérios dominantes?
Num mundo dominado pelo
sentimento do lucro e da competição, como entender a mensagem e o mistério que
se desprendem da humilde gruta de Belém? Num mundo que devassa o cosmos, que se
prepara orgulhosamente para a conquista da Lua, que planifica a família,
raciocina eletronicamente, prega o “birth-control”,
ri-se da virgindade e exalta a pílula anticoncepcional, que lição encerra o nascimento
de um Menino reclinado numa manjedoura? Um carpinteiro dócil a uma vontade que
vem do alto, um carpinteiro sem poder aquisitivo e uma virgem que ouve vozes e
fala com anjos... – como esse quadro parece distante da automação e dos
cérebros eletrônicos, dos foguetes intercontinentais e da técnica da “mass-communication”!
Talvez por isso a gruta
se entulhe, hoje, de guizos e quinquilharias, para disfarçar o anacronismo meio
bucólico e certamente subdesenvolvido em que é difícil identificar o sentido e
o símbolo transcendentes que a Natividade encerra. Aos olhos infantis de hoje,
que é o presépio ao lado do maravilhoso trenzinho elétrico? Que atrativo tem
essa história ao lado do fascinante autorama?
São Francisco, que é um
personagem antigo, anterior à industrialização e ao planejamento, queria que os
pobres e os mendigos fossem cumulados de presentes no dia do Natal. O
pobrezinho de Assis recomendava que se desse uma ração suplementar de aveia e
feno aos bois e aos burros para comemorar o Nascimento. E contam os seus
biógrafos que muito sonhou com uma audiência com o Imperador, para pedir-lhe um
édito que mandasse semear alimento, ao longo das estradas, para os seus irmãos
passarinhos. Que coração insensato pediria hoje um ato institucional fundado na
misericórdia e no perdão?
De repente, o Menino
ficou antigo como uma écloga virgiliana e, como há 1966 anos, não há lugar nas
estalagens. A pobre família de Nazaré continua mergulhada na obscuridade e o
Papai Noel que vende eletrodomésticos pelo crediário nunca ouviu falar numa
remotíssima gruta de Belém, com um boi e um burro que o cavalo-vapor tornou
obsoletos.
Não há vagas – dizem as
tabuletas que o meu momentâneo pessimismo vê pregadas em todas as portas. Algo
mais forte, porém, me diz que contra toda evidência e contra todas as portas
fechadas, no fundo do coração humano subsiste a esperança. E é dela que fala o
Natal.
Otto
Lara Resende
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