A moral e os bons costumes políticos devem muito a ex-mulheres, graças às quais alguns escândalos foram conhecidos depois de terminado o casamento contra a vontade delas. É que, sentindo-se preteridas ou abandonadas, elas se vingam expondo publicamente os malfeitos dos maridos.
Um caso famoso ocorreu em 2000, quando Nicéa, mulher por 30 anos do então prefeito Celso Pitta, denunciou-o em represália a um processo de separação litigiosa movido por ele. Ela foi à televisão e o acusou de ter distribuído fortunas aos vereadores para encerrarem uma CPI contra ele.
As acusações se estendiam ao secretário de Saúde, que teria montado um esquema milionário de desvio de dinheiro na compra de remédios. O episódio, com repercussão nacional, acabou com a imagem de Pitta: ao deixar o poder, em 2001, ele tinha mais de 80% de rejeição.
Mais recentemente, também em SP, houve o caso dos quatro auditores fiscais envolvidos em uma fraude de R$ 500 milhões. Vanessa, a mulher de um deles, Luís Alexandre Magalhães, escancarou em entrevistas a vida de luxo e dissipação que levavam com o dinheiro das propinas. Jantavam em restaurantes de luxo e pediam o vinho mais caro. Segundo ela, ele sempre deixou claro para os amigos que era corrupto: “Ah, eu roubo mesmo”, confessava. Magalhães aceitou a delação premiada e se curvou às denúncias da ex.
Zé Dirceu e sua ex-esposa Evanise Santos
Diante dessas e de outras histórias parecidas, constitui fenômeno raro o que acabo de ler na revista “Piauí”: o excelente perfil da ex-mulher de José Dirceu, de autoria da repórter Daniela Pinheiro. Ali, Evanise Santos relata cenas do casamento (ou “união estável”, como diz) de oito anos e da separação.
Ela esteve ao lado dele nos “piores momentos” e teria desempenhado um relevante papel no processo do mensalão, opinando inclusive sobre as estratégias da defesa. “Foi uma das pessoas procuradas por um solícito Luiz Fux, que pleiteava uma vaga no STF”, informa a repórter. “A ele, ela aconselhou: ‘Pare de ficar atrás do Lula. Se você quer o cargo, dá uma sumida’.”
O depoimento não contém revelações bombásticas ou baixarias, apenas aqui e ali um discreto ressentimento, natural em quem foi preterida, como, por exemplo, quando o companheiro confessa que estava apaixonado por outra com quem tinha uma filha de 4 meses. O nome dela: Simone Patrícia, aquela que ganhou um cargo de confiança no Senado, com horário flexível e R$ 12.800 de salário.
Para mim, o mais curioso na matéria é o relato da capacidade do ex-ministro de manter harmonioso convívio com as quatro ex-esposas. Evanise, a última (por enquanto), fala em “dinâmica particular” entre elas: “Todas orbitavam em volta de Dirceu — cada qual à sua maneira (...). É uma coisa que ele cultiva. Gosta de estar rodeado do que chama de ‘as mulheres de minha vida’, e isso inclui as filhas e a neta”.
Justiça seja feita. Não é para qualquer um conseguir transformar amores desfeitos em amigas confiáveis. Se algum político estiver pensando em se separar, deve aconselhar-se antes com José Dirceu.
Zuenir Ventura é jornalista.
Fonte
Todos os créditos para o Globo
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