sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Descoberta de enzima abre caminho para remédio para Doença de Chagas


A descoberta de moléculas importantes para uma enzima do parasita Trypanosoma cruzi, causador da Doença de Chagas, pode abrir novos caminhos no desenvolvimento de fármacos para o tratamento dessa doença. A pesquisa, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC), constatou que na presença de certas moléculas a atividade enzimática diminuiu, o que interfere no ciclo de vida do parasita.

O estudo foi constituído, basicamente, por duas fases. Na primeira, buscou-se no computador, por meio de um software específico, substâncias de interesse. Depois, com elas já selecionadas, teve início a segunda fase, na qual foram realizados ensaios em laboratório para verificar se as substâncias eram, de fato, importantes para a doença em análise. “Fiz ensaios in vitro, nos quais isolei a enzima em solução e percebi que a atividade enzimática foi diminuindo na presença das moléculas”, explica Juliana Cheleski, autora da pesquisa financiada por bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

A enzima diidroorotato desidrogenase (DHODH) é fundamental para o T. Cruzi. Assim, encontrar uma molécula que se “encaixe” a ela e interrompa sua atividade é importante no desenvolvimento de fármacos na medida em que interrompe o ciclo de vida do parasita. Além disso, segundo o professor Carlos Alberto Montanari, orientador da pesquisa e coordenador do Grupo de Química Medicinal do IQSC, não existe, atualmente, medicamento seguro para tratar os pacientes, o que torna ainda mais importante a descoberta de moléculas com potencial para se tornar fármacos e, posteriormente, medicamentos.

Recursos tecnológicos
Para que um novo fármaco seja descoberto são necessárias três fases. Primeiro, a seleção de moléculas candidatas à fármaco. Depois, uma etapa pré-clínica, na qual são realizados ensaios, inclusive em animais, para avaliar resultados. Por fim, a fase em que as substâncias bioativas – aquelas que têm efeito químico farmacológico em organismos vivos – são testadas em seres humanos.

A pesquisa do IQSC inovou ao estudar métodos computacionais para qualificar e selecionar as moléculas com potencial para se tornar substâncias químicas bioativas. Virtualmente, a primeira etapa tornou-se mais rápida, o que economizou tempo e também custos. “O computador fez um trabalho imenso, como achar agulha em um palheiro, já que buscou entre milhões de moléculas as que interessavam ao estudo”, declara Montanari.

A utilização de técnicas de ensaio com aparelhos modernos, como o método biocalorimétrico, que detecta calor para avaliar o padrão das reações, também esteve presente no estudo de Juliana. Por agregar a utilização de recursos tecnológicos à descoberta científica em si, a pesquisa ganhou o prêmio “Sunset Molecular” no 18º European Symposium on Quantitative Structure-Activity Relationships, congresso internacional realizado na Grécia no último mês de setembro.

Doença Negligenciada
A Doença de Chagas está na categoria das chamadas doenças negligenciadas, em geral aquelas presentes em países pobres e que não geram retorno financeiro à indústria farmacêutica, já que a população de baixa renda não tem dinheiro para comprar remédio e os custos para sua produção são altos. “Moléculas candidatas à fármaco de doenças negligenciadas não geram interesse, pois os medicamentos não podem ser caros. O governo tem que subsidiar, como faz no caso dos pacientes que sofrem de aids, e distribuir para a população”, observa Juliana.

O prêmio do artigo, intitulado “Calorimetria, ensaio virtual e elucidação da estrutura cristalográfica de novos inibidores da enzima DHODH de Trypanosoma cruzi “, também é justificado pela doença estudada. “A Doença de Chagas persiste ainda hoje. Além disso, ela tem sido levada para fora dos países pobres, alcançando os ricos”, pondera Montanari, que completa: “O prêmio é importante não apenas pelo reconhecimento, mas por mostrar que a Universidade retribui o investimento feito pela sociedade. Às vezes transmitimos a ideia que estamos encastelados, mas não é verdade. Devolvemos à sociedade com nossas pesquisas”.


Por Juliana Cruz
Da Agência USP
www.uol.com.br

Nenhum comentário: