segunda-feira, 4 de outubro de 2010

À Beira Dágua


Dágua o fluido lençol, onde em áscuas cintila
O sol, que no cristal argênteo se refrata,
Crepitando na pedra, a cuja borda oscila,
Cai, gemendo e cantando, ao fundo da cascata.

Parece a grave queixa, atroando em torno a mata,
Contar não sei que mágoa inconsolada, e a ouvi-la
A alma se nos escapa e vai perder-se abstrata
Na avassalante paz da solidão tranqüila…

Às vezes, a tremer na fraga faiscante,
Passa uma folha verde, e sobre a veia ondeante
Abandona-se toda, ansiosa pelo mar…

E vendo-a mergulhar na espuma que a sacode,
Não sei que íntimo e vago anseio ali me acode
De cair como a folha e deixar-me levar…


Manuel Bandeira

Um comentário:

Jairo Alves disse...

Belíssimo soneto!
Manuel é o Manuel Bandeira por ele próprio.