domingo, 16 de maio de 2010

O lugar da religião na experiência humana

No decorrer da história da humanidade, não faltou quem pretendesse explicar o que é a religião, atribuindo-lhe um lugar acidental na experiência humana. Só para citar alguns, Freud a considerava como a neurose obsessiva da humanidade; Marx, o ópio do povo e Comte, a mais primitiva de todas as fases do desenvolvimento humano.

A discussão evoluiu a tal ponto que se tentou mesmo eliminar a religião da sociedade. Muitos acreditavam que o avanço do discurso racionalista da modernidade tornaria a religião dispensável; o próprio sistema social ofereceria equivalentes, institucionais ou não, que preencheriam o que outrora era absorvido pela religiosidade.[2]

Nisso se incluem o pensamento sociológico de Durkheim, Engels e Weber. A modernização seria, então, sinônimo de secularização. A religião, considerada como sinônimo de irracionalidade e tradicionalismo, se retrairia diante da racionalização crescente da sociedade. Para Max Weber, a sociedade ocidental passa por um incontido processo de racionalização que, no plano religioso, se traduz em “desencanto do mundo”.

Mas não é que a religião persistiu! E ainda com mais força. Parece que a história se deleita em zombar das previsões científicas. “Quando tudo parecia anunciar os funerais de Deus e o fim da religião, o mundo foi invadido por uma infinidade de novos deuses e demônios, e um novo fervor religioso, que totalmente desconhecíamos, tanto pela sua intensidade quanto pela variedade de suas formas, encheu os espaços do mundo que se proclamava secularizado”.[3]

Os cientistas deviam saber que não tem como retirar a fé do homem. Até aqueles que defenderam a secularização e a racionalidade radical, entregaram-se a outra crença ainda mais intensa: a fé na ciência. Na modernidade, a ciência aparece como a principal referência de verdade: o que é científico tem status de verdadeiro e, portanto, mais consensualmente aceitável. A “fé” na ciência é, às vezes, cega, na medida em que as pessoas se entregam confiantemente a aparatos técnicos, cujos conteúdos não dominam, mas que supõem estar sob o controle de especialistas. Isso acontece, por exemplo, quando alguém se submete a uma cirurgia de qualquer espécie ou quando entra num avião e acredita que ele está em condições de não cair, por causa do suporte técnico científico que lhe afirma isso.

Não tem como a razão fazer submergir a religião, porque esta faz parte do foro da experiência. Ou seja, a religião não é da alçada da racionalidade. A intuição é o seu lugar. Isso não significa que ela é irracional. Pode ser considerada extra-racional ou até supra-racional. Existem até sistemas filosóficos que deságuam em Deus. Mas não há como conceber uma religião totalmente racional, que seria senão uma falsa religião. É interessante como algumas pessoas querem colocar a devoção nos limites de uma prática institucional e objetiva. Não existiria religião se não existisse intuição, emoção, sentimentos e aquela sensação de algo mágico e sobrenatural que o ser humano experimenta. Quem revelaria os mistérios do transcendente se não acontecessem os êxtases e os transes?

É bem verdade que nisso existe um risco de alienação e até de manipulação de consciências. Para resolver esse problema, uma boa dose de criticidade é suficiente. Mas é preferível correr esses riscos do que reduzir a religiosidade a um ritualismo estéril. Prefiro os exageros de alguns, desde que abram a possibilidade de desvelar ou fazer experimentar o mistério, do que os conceitos predefinidos e estáticos dos que adotam a mesmice como proposta de vida.

Deixar-se tocar na subjetividade faz bem a qualquer um. Que se confesse o mais metódico dos amantes da ciência: no fundo, o mistério atrai. Não são os fatos que determinam a maneira de ser do homem, mas sim os fatos transfigurados.[4] Por isso, ignorando as previsões de vários cientistas a respeito do fim da religião, a sociedade contemporânea viu emergir novo surto de religiosidade.

Aqui é preciso discernir. No meio disso tudo existem aproveitadores e charlatões, além dos que conduzem todo mundo ao erro em sã consciência, ou seja, achando mesmo que está no caminho certo. Mas a despeito deles, é preciso reconhecer que o fenômeno religioso contemporâneo é um sintoma de que subsiste no homem aquele encanto característico de um ser que não vive sem a contemplação do mistério.

E se o homem não vive sem isso, é porque isso lhe é constitutivo. Nele há um lugar para a experiência religiosa. Talvez reservado pelo próprio Criador, que não quis que o homem se desvinculasse do belo e nem tornasse sua vida sem gosto e sem nenhuma certeza a respeito do que está além de si mesmo.


Ronaldo José de Sousa [1]
(pombalense)
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[1] Historiador e mestre em sociologia. Professor da Faculdade Católica de Campina Grande – PB.

[2] Stefano MARTELLI, A religião na sociedade pós-moderna, p. 59.

[3] Rubem ALVES, O enigma da religião, p. 10.

[4] Cf. Rubem ALVES, O enigma da religião, p. 22.

Um comentário:

Unknown disse...

Mas cedo ou mais tarde chegaremos a conclusão da nossa insignificância; ou seja, que somos meros mortais...somos pó e ao pó retornaremos; por isso que a importância da religião se torna fundamental nesta busca eterna do homem pela eternidade.Mas lembre-se do que disse Jesus: Conhecereis a VERDADE , e a verdade vos libertará! :)