sexta-feira, 4 de julho de 2008


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.



Pablo Neruda

Do livro "Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada"

Um comentário:

Unknown disse...

Depois das eleições acho que escreverei um livro intitulado QUANDO FUI CANDIDATO, pois ,semelhante a Pablo Neruda, espero não ter que escrever versos de alguem que não foi compreendido ou não quiseram compreender.Estou conhecendo as entranhas do povo e começando a compreender porque muitos intelectuais vão embora deste país morar na França, Alemanha, Noruega...No Brasil, mais do que um problema de civilização , existe um problema de civilidade. Gostaria muito de descortinar o véu dos bastidores da política, para que o próprio povo se visse nu e percebessem que voto não se vende, pois se assim o fizer, estarás vendendo o futuro da sua cidade...dos seus filhos...e dos seus netos; mas uma coisa me consola como cidadão...ESTOU PROCURANDO FAZER A MINHA PARTE.