Cada vez que eleições se aproximam, penso no problema do barulho e fico sonhando com a possibilidade de que algum candidato, finalmente, faça esse assunto entrar na sua plataforma política. Acho que tenho poucas chances de interessar alguém. Afinal, as campanhas eleitorais no Brasil, como tudo por aqui, são também barulhentas! Nesse caso, como fazer me ouvir? Vou tentar, valendo-me de um argumento utilitarista.
Falando como os economistas, acho que existe no eleitorado brasileiro uma demanda reprimida pelo direito ao silêncio. É só ver a indignação resignada de quem mora junto a locais onde se realizam mega-eventos, muitas vezes com o patrocínio dos poderes públicos, e tem a casa invadida pelo barulho infernal de axés, pagodes, funks e agora um tal de “créu”. Certa feita vivi essa experiência ao visitar amigos num apartamento próximo a um desses infernos. O barulho era tanto que fomos obrigados a nos refugiar num quarto provido de ar condicionado para conversar. O ruído do aparelho atenuava, mas não neutralizava o barulho que vinha de fora. Foi nesse momento que me passou pela cabeça a idéia de que esses moradores estavam presos em verdadeiras câmaras de tortura!
Talvez esteja exagerando. Mas a verdade é que infligir sons em altíssimo volume a pessoas confinadas é uma forma de tortura! Tortura limpa, que não deixa marcas, e inventada pelos civilizados ingleses. Mas mesmo assim, tortura! No tempo da ditadura militar, aliás, chegou-se a improvisar num dos porões da base aérea do Galeão um cubículo desse tipo. O barulho insuportável era fornecido “gratuitamente” pelas turbinas dos aviões em manobra na cabeceira da pista. É claro que, diferentemente dos presos de então, os moradores de agora podem escapar da situação a que estão submetidos. Como? Saindo de casa! O absurdo da situação clama aos céus.
Isso no atacado. No varejo, quem de nós já não teve sua paz acintosamente violada por um desses carros munidos de caixas de som que vêm se instalar na frente do bar onde estamos tomando nossa cervejinha? Mas, aqui também, a indignação resigna-se. Afinal, um boçal capaz de uma coisa dessas, do que será capaz se formos reclamar? Só que às vezes a coisa derrapa. No meio deste artigo, tive a idéia de pesquisar na internet. Fui ao google e lá digitei: “som alto causa homicídio”. Tomei um susto: havia mais de 28 mil entradas! A primeira era: “Discussão por causa de som alto acaba com dois mortos e um ferido” A notícia era deste ano e vinha da próxima Paraíba. Como se vê, incivilidade às vezes se transforma em caso de polícia.
Por isso acho que um candidato disposto a levar essa questão a sério faria uma bela colheita. Relato um precedente interessante. No começo dos anos 90, era prefeito de São Paulo ─ vejam só! ─ Paulo Maluf. Pois foi Maluf quem sancionou uma lei municipal instituindo a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança no trânsito da cidade. Houve, naturalmente, protestos. E até mesmo inícios de processos judiciais levantando a inconstitucionalidade da medida, sob a alegação de que era a União, não o Município, quem tinha competência para legislar sobre trânsito. Pois bem. Não sei o que foi feito dos processos. Mas a verdade é que havia uma demanda reprimida pelo uso do cinto, tanto que boa parte dos cidadãos aderiu e a parte relutante logo se acostumou. A iniciativa virou rastilho e vários outros municípios começaram a adotar idêntica medida. Pouco depois, a chegada do Novo Código de Trânsito Brasileiro acabou a discussão, obrigando o uso em todo o país.
Uma coisa que me ocorre é que barulho não tem ideologia. Ou seja: diferentemente do que se passa com o superávit primário ou o regime cubano, esquerda e direita, no Brasil, partilham a mesma indiferença a certas regras de convivência civilizada, entre as quais severas limitações à capacidade de incomodar proporcionada pelos modernos meios de amplificação sonora. Prova disso é o fato de que entra governo e sai governo e a famosa “lei do silêncio”, sobre que todo mundo fala e ninguém sabe muito bem o que é, continua sendo rotineiramente desrespeitada. O que parece mesmo valer é um ditado com força de lei sociológica: “os incomodados que se mudem!” Definitivamente, é tempo de os cidadãos começarem a não mais aceitar um princípio moleque desse tipo como regra de convivência. Se fosse candidato, essa seria minha plataforma!
Luciano Oliveira
Professor da UFPE
Falando como os economistas, acho que existe no eleitorado brasileiro uma demanda reprimida pelo direito ao silêncio. É só ver a indignação resignada de quem mora junto a locais onde se realizam mega-eventos, muitas vezes com o patrocínio dos poderes públicos, e tem a casa invadida pelo barulho infernal de axés, pagodes, funks e agora um tal de “créu”. Certa feita vivi essa experiência ao visitar amigos num apartamento próximo a um desses infernos. O barulho era tanto que fomos obrigados a nos refugiar num quarto provido de ar condicionado para conversar. O ruído do aparelho atenuava, mas não neutralizava o barulho que vinha de fora. Foi nesse momento que me passou pela cabeça a idéia de que esses moradores estavam presos em verdadeiras câmaras de tortura!
Talvez esteja exagerando. Mas a verdade é que infligir sons em altíssimo volume a pessoas confinadas é uma forma de tortura! Tortura limpa, que não deixa marcas, e inventada pelos civilizados ingleses. Mas mesmo assim, tortura! No tempo da ditadura militar, aliás, chegou-se a improvisar num dos porões da base aérea do Galeão um cubículo desse tipo. O barulho insuportável era fornecido “gratuitamente” pelas turbinas dos aviões em manobra na cabeceira da pista. É claro que, diferentemente dos presos de então, os moradores de agora podem escapar da situação a que estão submetidos. Como? Saindo de casa! O absurdo da situação clama aos céus.
Isso no atacado. No varejo, quem de nós já não teve sua paz acintosamente violada por um desses carros munidos de caixas de som que vêm se instalar na frente do bar onde estamos tomando nossa cervejinha? Mas, aqui também, a indignação resigna-se. Afinal, um boçal capaz de uma coisa dessas, do que será capaz se formos reclamar? Só que às vezes a coisa derrapa. No meio deste artigo, tive a idéia de pesquisar na internet. Fui ao google e lá digitei: “som alto causa homicídio”. Tomei um susto: havia mais de 28 mil entradas! A primeira era: “Discussão por causa de som alto acaba com dois mortos e um ferido” A notícia era deste ano e vinha da próxima Paraíba. Como se vê, incivilidade às vezes se transforma em caso de polícia.
Por isso acho que um candidato disposto a levar essa questão a sério faria uma bela colheita. Relato um precedente interessante. No começo dos anos 90, era prefeito de São Paulo ─ vejam só! ─ Paulo Maluf. Pois foi Maluf quem sancionou uma lei municipal instituindo a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança no trânsito da cidade. Houve, naturalmente, protestos. E até mesmo inícios de processos judiciais levantando a inconstitucionalidade da medida, sob a alegação de que era a União, não o Município, quem tinha competência para legislar sobre trânsito. Pois bem. Não sei o que foi feito dos processos. Mas a verdade é que havia uma demanda reprimida pelo uso do cinto, tanto que boa parte dos cidadãos aderiu e a parte relutante logo se acostumou. A iniciativa virou rastilho e vários outros municípios começaram a adotar idêntica medida. Pouco depois, a chegada do Novo Código de Trânsito Brasileiro acabou a discussão, obrigando o uso em todo o país.
Uma coisa que me ocorre é que barulho não tem ideologia. Ou seja: diferentemente do que se passa com o superávit primário ou o regime cubano, esquerda e direita, no Brasil, partilham a mesma indiferença a certas regras de convivência civilizada, entre as quais severas limitações à capacidade de incomodar proporcionada pelos modernos meios de amplificação sonora. Prova disso é o fato de que entra governo e sai governo e a famosa “lei do silêncio”, sobre que todo mundo fala e ninguém sabe muito bem o que é, continua sendo rotineiramente desrespeitada. O que parece mesmo valer é um ditado com força de lei sociológica: “os incomodados que se mudem!” Definitivamente, é tempo de os cidadãos começarem a não mais aceitar um princípio moleque desse tipo como regra de convivência. Se fosse candidato, essa seria minha plataforma!
Luciano Oliveira
Professor da UFPE
Um comentário:
Pouco a pouco começo a entender porque muitos intelectuais vão embora do Brasil. Porque será que na França, Alemanha, Noruega é tudo diferente ??? (Mais do que uma questão de civilização ,é uma questão de civilidade).
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