Os dois estavam tomando um cafezinho no boteco da esquina, antes de
partirem para as suas respectivas repartições. Um tinha um nome fácil:
era o Zé. O outro tinha um nome desses de dar cãibra em língua de
crioulo: era o Flaudemíglio.
Acabado o café o Zé perguntou: — Vais pra cidade?
— Vou — respondeu Flaudemíglio, acrescentando: — Mas vou pegar o 434,
que vai pela Lapa. Eu tenho que entregar uma urinazinha de minha mulher
no laboratório da Associação, que é ali na Mem de Sá.
Zé acendeu um cigarro e olhou para a fila do 474, que ia direto pro
centro e, por isso, era a fila mais piruada. Tinha gente às pampas.
— Vens comigo? — quis saber Flaudemíglio.
— Não — disse o Zé: — Eu estou atrasado e vou pegar um direto ao centro.
— Então tá — concordou Flaudemíglio, olhando para a outra esquina e,
vendo que já vinha o que passava pela Lapa: —Chi! Lá vem o meu… — e
correu para o ponto de parada, fazendo sinal para o ônibus parar.
Foi aí que, segurando o guarda-chuva, um embrulho e mais o vidrinho
da urinazinha (como ele carinhosamente chamava o material recolhido pela
mulher na véspera para o exame de laboratório…), foi aí que o
Flaudemíglio se atrapalhou e deixou cair algo no chão.
O motorista, com aquela delicadeza peculiar à classe, já ia botando o
carro em movimento, não dando tempo ao passageiro para apanhar o que
caíra. Flaudemíglio só teve tempo de berrar para o amigo: — Zé, caiu
minha carteira de identidade. Apanha e me entrega logo mais.
O 434 seguiu e Zé atravessou a rua, para apanhar a carteira do outro.
Já estava chegando perto quando um cidadão magrela e antipático e,
ainda por cima, com sorriso de Juraci Magalhães, apanhou a carteira de
Flaudemíglio.
— Por favor, cavalheiro, esta carteira é de um amigo meu —disse o Zé estendendo a mão.
Mas o que tinha sorriso de Juraci não entregou. Examinou a carteira e depois perguntou: — Como é o nome do seu amigo?
— Flaudemíglio — respondeu o Zé.
— Flaudemíglio de quê? — insistiu o chato.
Mas o Zé deu-lhe um safanão e tomou-lhe a carteira, dizendo: — Ora,
seu cretino, quem acerta Flaudemíglio não precisa acertar mais nada!
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