Na BR- 116, é certo que
encontrarei engarrafamento e cachorro morto. A cada animalzinho
estirado na mureta, tapo os olhos de meu filho Vicente — não é unia
boa recordação para se levar à escola logo de manhã.
Mas fui notando que teria que deixá-lo
vendado o trajeto inteiro. No intervalo de 10 quilômetros, avistava
um novo corpo já despossuído de alma e Deus, inchado e anônimo, sem
a gentileza de cruz e o amparo da coleira.
Cachorro atropelado na Grande Porto
Alegre é tão frequente quanto as capivaras abatidas na BR-471.
Procurava desvendar como o cão atingiu
o miolo da estrada. Na minha idealização, o bicho esquecera o
caminho de volta e não contara com sorte ao cruzar a mão dupla. Por
uma série de tristes casualidades, fora jogado na loucura assassina
de um autorama.
Não me passava maldade pela cabeça.
Sei o quanto um cachorro costuma cheirar caminhos e se distrair com
facilidade.
Até que descobri que existe um nazismo
canino. Cachorros são abandonados na rodovia pelos próprios donos.
Aquilo que vejo todo dia não representa acidentes, é, sim, resultado
de uma matança deliberada.
Famílias compram ou recebem de
presente um cãozinho, acham que é barbada cuidar, enfrentam uma
semana de experiência, gastam demais com ração e higiene, e decidem
sacrificar o hóspede. Sem tempo a perder, desaparecem com as provas
de uma existência. E ainda raciocinam que não é um assassinato, que
Palmira Gobbi é apenas o nome de uma avenida. Fingem acreditar que
não cometeram mal nenhum, largaram o pequeno à mera provação do
destino.
O motivo é sempre gratuito. Matam o
cão para prevenir incômodos. Ou porque ele adoeceu ou envelheceu. Ou
porque o remédio e o veterinário são caros ou porque o abrigo é
longe e não podem se atrasar para o trabalho.
Que mundo é este? Eliminam uma vida
com a leviandade de alguém que arremessa longe uma bagana de
cigarro, uma embalagem de picolé, um saco de salgadinho.
Absolutamente crentes na impunidade.
Quem faz isso não merece perdão. Não
merece explicação. Não merece defesa. É um crime premeditado. A mais
implacável execução que conheço, antecedida de lenta tortura
emocional.
Repare na insensibilidade: o dono
mente ao seu cachorro que irão passear, para desová-lo no corredor
da morte. Calcule o terror do bichinho quando não entende o castigo,
e corre uivando, desesperado, atrás de um carro que nunca será mais
o seu.
Cansei de esconder os olhos de meu
filho.
Fabrício (Carpi Nejar) Carpinejar
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