"Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as
hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se
mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca.
Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas
da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tornara
impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada
aprendizagem da morte.
A estrada que agora se abre a nossos olhos não se
entrecruza com outra nenhuma. Está mais deitada que os séculos,
suportando sozinha toda a distância. Pelas bermas apodrecem carros
incendiados, restos de pilhagens. Na savana em volta, apenas os
embondeiros contemplam o mundo a desflorir.
Um velho e um miúdo vão seguindo pela estrada. Andam bambolentos como
se caminhar fosse seu único serviço desde que nasceram. Vão para lá de
nenhuma parte, dando o vindo por não ido, à espera do adiante. Fogem da
guerra, dessa guerra que contaminara toda a sua terra.
Vão na ilusão de, mais além, haver um refúgio tranquilo. Avançam descalços, suas vestes têm a mesma cor do caminho. O velho se chama Tuahir. É magro, parece ter perdido toda a substância. O jovem se chama Muidinga..."
Mia Couto "Terra sonâmbula"
Vão na ilusão de, mais além, haver um refúgio tranquilo. Avançam descalços, suas vestes têm a mesma cor do caminho. O velho se chama Tuahir. É magro, parece ter perdido toda a substância. O jovem se chama Muidinga..."
Mia Couto "Terra sonâmbula"
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