“Existem muitas superstições sobre a
melhor maneira de entrar o Ano-Novo. Na nossa casa, por exemplo, nunca
falta um prato de lentilha para ser consumido nos primeiros minutos do
ano que começa. Dá sorte. Ouvi dizer que na Espanha, ao soar da
meia-noite, deve-se comer uma uva para cada badalada do relógio. Este
costume chegou à Bulgária mas, por uma falha na tradução, lá se come um
melão para cada batida do relógio, e os hospitais ficam cheios no dia
1º. Na Suíça, comem o relógio.
Algumas crenças persistem através do tempo, desafiando toda lógica.
Se o champanhe aberto à meia-noite não estourar e se tiver alguém na
família chamado Edgar, é sinal de que a casa será arrasada por uma
manada de elefantes e o champanhe está choco. Na Rússia, depois de
brindarem o Ano-Novo com vodca, os convidados devem atirar suas taças
contra a parede e depois ficar muito brabos porque não há mais copos na
casa e atirar o anfitrião contra a parede. De qualquer maneira, a festa
termina cedo.
Na Índia se a primeira criança que
nascer no Ano-Novo tiver bigode, fumar de piteira e pedir para falar
urgentemente com o Kofi Anan, é mau sinal. Na Polinésia, em certas
tribos primitivas, o guerreiro mais audaz deve levar a virgem mais
bonita até a boca do vulcão e atirá-la para a morte, como um sacrifício
aos deuses. Mas a encosta do vulcão é comprida, os dois param para
descansar um pouco e, quando chegam à boca do vulcão, estabelece-se o
paradoxo: se o guerreiro era audaz, a moça não é mais virgem, se a moça
ainda é virgem, o guerreiro não era audaz, e o sacrifício sempre fica
para o ano que vem. Na Austrália, todos se atiram contra a parede.
Entrar o Ano-Novo de gravata-borboleta
pode comprometer seriamente as relações entre o Oriente e o Ocidente. O
primeiro animal que você encontrar na rua no Ano-Novo pode significar
uma coisa. Cachorro é sorte. Gato é dinheiro. Rato é saúde. Um bando de
hienas é azar, corra. Um cavalo roxo dançando o xaxado na calçada
significa que você está bêbado. Vá dormir.
Em certos lugares, é costume derramar champanhe no decote da mulher
ao seu lado, o que lhe trará, a longo prazo, bons negócios, e, a curto
prazo, um tapa-olho. Se você estiver num réveillon junto com seu patrão,
não esqueça de se colocar estrategicamente para ser o primeiro a
abraçá-lo à meia-noite. Dance com a mulher dele. Insista para que ele
dance com a sua. Proponha vários brindes. Pule em cima da mesa. Proponha
mais brindes. Diga que agora você é quem vai dançar com o patrão e não
quer nem saber. Acabe lhe dizendo algumas verdades. Proteste que ninguém
precisa segurar você, você está sóbrio, entende? Sóbrio! Só não sabe
como uma manada de elefantes roxos invadiu o salão, ou será que a mulher
do patrão trouxe a família toda? No dia 1º você não se lembrará de
nada. No dia 2, você vai procurar outro emprego. Chato.
Outro costume é fazer previsões na véspera do Ano-Novo. Pode chover.
Alguém, em algum lugar do Brasil, está dizendo: “Boas-entradas nada, eu
quero saber onde fica a saída…” E a previsão mais fácil de todas…
– Qual é?
– Amanhã eu vou estar de ressaca!
Enfim, o Ano-Novo já está quase aí e, apesar de muita gente no Brasil
telefonar para os parentes no Japão, onde o 2020 chegará mais cedo,
querendo saber que tal o ano, como quem pergunta como é que está a água,
ninguém sabe como ele será. Farei o possível para entrar nele com o pé
direito, mas, quando perceber, ele é que terá entrado em mim, não dará
para recuar.
Só sei uma coisa. Assim que o relógio terminar de bater a meia-noite,
comerei meu prato de lentilha para dar sorte. Pedirei outro. E
derramarei lentilha no colo, destruindo para sempre A) um bom par de
calças e B) minha fé em qualquer tipo de superstição.”
Obs.: No texto original, o autor se refere ao ano de 2013.
Luís Fernando Veríssimo
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