Chegamos a outubro e reparei que ainda não havia repetido este ano
uma das minhas campanhas obrigatórias, renováveis e sustentáveis. Eis o
panfleto lírico:
A cantada, amigos, é como a revolução de Mao Tse-Tung, tem que ser permanente.
Querem ver uma história que representa muito isso? Vejam o
francesinho do cartaz arriba -“O Homem que amava as mulheres”, do
Truffaut, o cara que nasceu para filmar o amor.
Existem mulheres que a gente canta no jardim da infância para dar o primeiro beijo lá pelos quatorze, quinze, e olhe lá.
Mas é necessário que a cante sempre, não aquela cantada localizada,
neoliberal e objetiva, falo do flerte, do mimo, do regador que faz
florescer, como numa canção brega, todos os adjetivos desse mundo.
A cantada de resultado, aquela imediata, é uma chatice, insuportável,
se eu fosse mulher reagiria com um tapa de novela mexicana, daqueles
que fazem plaft!
A boa cantada é a cantada permanente.
E mais importante ainda depois que rolam as coisas, depois que
acontece, aí a cantada vira devoção, oração dos pobres moços a todas
elas.
Porque cantar só para uma noitada de sexo é uma pobreza dos diabos, qualquer um animal o faz.
Porque cantar, à vera, é cantar todas e não cantar nenhuma ao mesmo tempo.
Explico: é espalhar pacientemente a devoção a todas as mulheres como quem espalha sementes nos campos de lírios.
Mesmo que elas digam, com aquele riso litografado na covinha do sorriso, que você diz isso para todas.
E claro que para cada uma dizemos uma loa, fazemos uma graça, não repetimos o texto, o lirismo, o floreado.
Porque amamos mesmo as mulheres.
Cantemos indiscriminadamente, e que me perdoe o velho e bom Vinícius
de Moraes, mas cantemos sobretudo as ditas feias, esse conceito cruel e
abstrato de beleza. Elas merecem, até porque as feias não existem, nunca
conheci nenhuma até hoje.
Não por sermos generosos, piedade, ou algo do gênero… É que a dita
feia, quando bem cantada, vira a superfêmea, para lembrar a bela
pornochanchada com a Vera Fischer.
A cantada permanente e indiscriminada é irresistível, quando você menos espera, acontece o que você tanto sonhava.
Sim, tem que ter o cuidado para não ser simplesmente um chato que
baba diante do melhor dos espetáculos, a existência das mulheres.
Ter que cantar sempre a mesma mulher e parecer que está apenas de
passagem, que o estribilho é sempre novo, nada de larararás que mais
parecem refrões do Sullivan e do Massadas.
Ah, digamos que você cantou a Sônia Braga ainda naqueles tempos em
que Gabriela subiu com aquele vestidinho no telhado –a cena mais quente
da teledramaturgia brasileira até hoje - e continuou cantando, sempre,
sutil e sempre, e agora ela, passados tantos calendários, se comove e
resolve recompensá-lo! Vai ser lindo do mesmo jeito, não acha? Na tela
do nosso cocoruto vai passar o videotape de todos os desejos antigos e
despejados no ralo pela morena cravo & canela.
Xico Sá
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