quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Os últimos momentos de Canudos, há 119 anos

A data de 5 de outubro de 1897 marca o fim de um dos episódios mais vergonhosos da história do Brasil. Tudo começou quando o governo republicano, com o apoio de setores da elite brasileira, decidiu aniquilar a comunidade mística de Canudos ou Belo Monte, no sertão da Bahia, arregimentando para tal fim mais da metade do exército da época. Milhares de sertanejos, incluindo seu líder, Antônio Conselheiro, foram mortos durante o conflito. Outros milhares de soldados também pereceram, ficando insepultos para sempre em meio à vastidão da caatinga. A seguir, os últimos lances da carnificina, na visão de testemunhas oculares (mantemos a ortografia da época):

“Ao clarear do dia 5, já pouco movimento se observava no centro inimigo; Os soldados, impacientes, foram pouco a pouco se introduzindo nas ruinas dos fanaticos e, dahi a momentos, tinham varejado casa por casa, cujas paredes ainda se mantinham de pé, examinando vallas, subterraneos e tudo quanto havia de mysterioso ali. Os ultimos atiradores que encontraram ainda, de armas na mão, nervosos, alucinados, fazendo fogo sobre elles, morreram nessa occasião e sepultaram-se na mesma valla em que foram encontrados. Eram quatro: um velho, ferido na perna direita, um rapaz de 18 annos presumiveis e dois outros homens vigorosos. Estava tudo acabado"

(Emídio Dantas Barreto [Destruição de Canudos], oficial do Exército, integrante da 4ª expedição contra Canudos, 1897)

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“Estava marcado que Canudos seria arrasado neste dia.

Fizeram mão rasa nos habitantes; a idade, o sexo, a cor, as condições fisiológicas dos que foram encontrados neste hediondo dia, em Canudos, não foram respeitados.


As roças foram incendiadas, as casa derruídas com os jagunços dentro.


Era preciso queimá-las e queimaram-nas.


Em Canudos, os ventres em gestação, como caldeiras humanas, aqueceram se, ebuliram-se e se não estouraram foi devido ao fogo já ter abrasado as paredes das comportas onde jaziam embriões e fetos que o fogo ia incinerar.


De mais se houve brados de socorro e misericórdia, a voz do incêndio e o estrondo do bombardeio abafaram!”.


(Manoel Benício [O Rei dos Jagunços], correspondente do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, em Canudos, 1897).

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“Não se pode dar um passo sem se tropeçar em uma perna, um braço, um crânio, um corpo inteiro, outro mutilado, um monte de cadáveres, aqui meio queimado, outro ali ainda fumaçando, outro adiante completamente putrefato, disforme, e ao meio de tudo o incêndio e uma atmosfera cálida e impregnada de miasmas pútridos. A morte pela fome, pela sede, pela bala, e pelo incêndio, emudeceu a todos, substituindo as lamúrias do banditismo, pelos alegres sons dos hinos de vitória!

Canudos não existe mais!"


(Fávila Nunes, correspondente do jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, em Canudos, 1897)

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“Em enorme buraco os nossos homens atearam grande fogueira. De dentro dolorosamente começaram a gritar: - Pelo amor de Deus, por Nossa Senhora, pela Virgem Maria, apaguem esse fogo que nos entregamos!

Corremos então à praça de Canudos. Percorrendo as ruas da cidade tive ocasião de observar o quanto se acha ela devastada, parecendo impossível que as suas casas ainda possam servir aos habitantes"

(Alfredo Silva, correspondente do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro, em Canudos, 1897).

Assim, com o auxílio da dinamite e do querosene, finalizava a república o arrasamento de Canudos. Ao estouro do canhão e ao golpe da baioneta seguia-se a voracidade da chama e do calor. 

O crime perpetrado contra os sertanejos há 119 anos continua impune. Nem sequer um pedido formal de desculpa foi até agora formulado pelo Estado brasileiro, o principal responsável pelo massacre. Canudos ainda é uma chaga aberta no seio da nação, a espera de ações concretas que possam reparar os terríveis danos provocados pelas elites contra o povo sertanejo. 

Conclame-se à consciência nacional. Com a palavra os corações sensatos desse país. A história não tolera a indiferença. Ela é implacável com os que tentam ludibriá-la. 

O sertão exige de quem de direito uma resposta à altura dos ideais dos peregrinos do Belo Monte. Esta resposta é urgente e terá de vir em forma de políticas públicas. Políticas públicas eficientes que sejam capazes de conferir plena dignidade à gente sertaneja. Quando isso acontecer, o Brasil estará a alguns passos de se redimir perante o sertão ensanguentado.

Por José Gonçalves do Nascimento

jotagonçalves_66@yahoo.com.br

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