sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Velhos hábitos

A história da propina no Brasil talvez não seja tão antiga, mas o costume já tem uma longa biografia.

Esta o Pero Vaz de Caminha não contou.
 
Os portugueses tiveram alguma dificuldade para se comunicar com os indígenas, na sua chegada ao Brasil. Um dos comentários ouvidos na praia, logo depois do descobrimento, foi:
 
— Ou estes gajos não sabem falar português ou estiveram no dentista há pouco e ainda sentem os efeitos da anestesia, pá. Não se percebe nada do que dizem!
 
Tenta daqui, tenta dali e finalmente se entenderam. Cabral, comandante da expedição portuguesa, deveria falar com o cacique Tamosaí, aparentemente o comandante dos índios. A conversa — feita mais com mímica e linguagem de surdo-mudo do que com palavras — foi mais ou menos assim:
 
Tamosaí — O que homens esquisitos, brancos e com barba, querem?
 
Cabral — Tudo.
 
Tamosaí — Como, tudo?
 
Cabral — Tudo. Do Oiapoque ao Chuí. E, então?
 
Tamosaí — Hmmm. OK. Mas antes...
 
E Tamosaí estendeu a mão com a palma virada para cima e disse:
 
— Molha.
 
— Ai, Jesus — suspirou Cabral. — Começou...
 
A história da propina no Brasil talvez não seja tão antiga, mas o costume já tem uma longa biografia. Assim como o poder das empreiteiras, cuja origem é difícil de localizar no tempo.
 
Talvez tenha começado com o nosso protoempreendedor Barão de Mauá. Certamente se consolidou com o furor desenvolvimentista da Era Juscelino. Novidade mesmo é as empreiteiras obrigadas a explicar seus velhos hábitos, nunca dantes questionados, e seus diretores estarem dormindo em colchões no duro chão de uma cadeia. No fim, quem tem razão para festejar é o senador Pedro Simon. Há anos sua insistência que os corruptores sejam incluídos na investigação e punição da corrupção é ignorada no Congresso. No fim da sua vida pública, veio o desagravo.
 

Luis Fernando Veríssimo

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