domingo, 24 de março de 2013

A vida dos tiranos

Tenho observado que, na imprensa, nos livros, ou em simples conversações, cada vez mais preferimos usar a palavra planeta para falar de onde nos encontramos. Arrisco dizer que esse é um progresso objetivo na História da Humanidade.
 
Universo é uma designação metafísica, envolve o que não sabemos. Mundo é abstrato demais, pode representar tanto um vasto território, quanto o pequeno espaço de nossa vida e de nossa imaginação. Planeta, não. Com planeta, não há equívoco possível, é nessa palavra concreta que vivemos, agoniados com o que acontece à nossa volta, sensíveis às suas circunstâncias, dentro dos limites dela.
 
Como é mesmo difícil viver, em qualquer época que seja, temos sempre a impressão de que estamos vivendo o pior momento da História da Humanidade no planeta. É isso que gera a principal narrativa de conservadores e progressistas.
 
Segundo Lévi- Strauss, para os conservadores a idade de ouro está num passado cujo desaparecimento lamentamos melancolicamente. Para os progressistas, a idade de ouro está no futuro, em nome do qual devemos fazer sacrifícios no presente. Nenhum dos dois partidos se dá conta de que a idade de ouro é hoje, o tempo que nos foi dado viver no planeta.
 
Shakespeare, que, ao lado de Dostoievski, Proust e Machado, escreveu quase tudo que se precisa saber sobre a Humanidade, deve ter percebido esse equívoco. Desconfio disso pela referência a “tempos difíceis” em várias peças passadas em tão diferentes épocas e lugares — Falstaff reclama do tempo em que vive (“Que tempos são esses?”), o Príncipe de Verona acusa o tempo presente pela tragédia de Romeu e Julieta, Hamlet se atormenta com o “nosso tempo fora do eixo”.
 
Desprezo esse tipo de acusação contra o pobre do tempo indefeso. Mas existem situações excepcionais em que ela se torna compreensível. Uma guerra, um desastre natural, uma peste, um regime de opressão. Esse último nos justifica dizer que, pelo menos para minha geração, os anos entre 1969 e 1974 foram os piores da ditadura e portanto os piores de nossas vidas. Um tempo que eu gostaria de não ter vivido.
 
Para vivermos um tempo como aquele, devemos estar preparados para enfrentar ou conviver com o fato de que tudo em nossa vida estará impregnado pelo desastre e pela tragédia que ele pode provocar.
 
 
 
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Cacá Diegues é cineasta

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