quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Só na ressaca o homem é perfeito

Reflito aqui com Miss Soledad, primeiro dia do ano, na margem esquerda do Capibaribe: o homem só é bom por inteiro quando está de ressaca.
 
Como é virtuoso o homem de ressaca. Se não bebe, vale a ressaca moral, naturalmente.
 
Ao amigo que emenda uma bebedeira na outra de modo a não conhecer mais esse estado de espírito, recomendo: vale a pena dar uma chance a uma ressaquinha felina.
 
Na ressaca, o homem tem alma de gato; no restante da vida, o homem repete o cachorro.
 
O primeiro pensamento no homem de ressaca solteiro é casar-se, ter filho, uma vida regrada, amar a Deus sobre todas as coisas, cumprir os dez mandamentos.
 
Sim, ao acordar naquela manhã de sonhos intranquilos, amigo Otto, o mais vagabundo e vira-lata dos homens pensa em véus e grinaldas.
 
O homem de ressaca está sempre em um altar imaginário à espera da noiva.
 
Se for casado, o homem de ressaca põe na ponta do lápis os planos para o ano novo.
 
E promete. Como promete um ressacado. Promete mais do que todos os prefeitos assumidos neste primeiro de janeiro.
 
O homem sob o sol da ressaca é de uma dignidade estupenda. Imaculado, fiel, ético, extremamente confiável nesta real grandeza da hora.
 
Impecável. O homem diante do chá de boldo de todas as regenerações morais deste início do ano da graça de 2013.
 
Carinhoso. Ninguém é mais carinhoso com a mulher do que o homem de ressaca. Só não leva café na cama por estar sem condições físicas para o ato, mas pede os melhores pratos em domicílio.
 
Neste instante da comida, ele faz, inclusive, mais uma promessa: este ano será mais do cinema de mãos dada e cada vez menos do boteco.
 
Mesmo em câmera lenta, como é bom de cama o homem hepaticamente fragilizado. Aliás, amigos, deixo uma interrogação das mais sérias: por que ficamos tão tarados em dias de ressaca? É uma paudurescência infindável –mesmo sabendo que a ressaca, depois dos 40, é uma doença, uma dengue existencialista.
 
Recapitulando: o homem de ressaca é perfeito. Não mente, não pula a cerca, é carinhoso e tântrico.
Só na ressaca existe o homem. É neste estadão das coisas que a sua bondade se revela.
 
 
Xico Sá
Folha de S. Paulo

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