Vejo aqui na capa do UOL uma solene pergunta: “É possível ser feliz mesmo se achando feio?”
Cuma assim?, tiro onda com a Gal, a cachorra da linda vizinha que me sorri latindo.
Ora, só é possível ser feliz –se é que a felicidade é coisa terrena- sendo feio.
Todo galã é triste. Toda deusa é moralmente atordoada e maluca.
Só sei que esta indagação sobre estética e felicidade mexeu comigo. Sempre em defesa dos feios, sujos e malvados, saquei de novo o meu panfleto a favor da categoria.
Dez coisas que um homem feioso deve saber para tirar mais proveito da vida, essa ingrata:
I) Que a beleza é passageira e a feiúra é para sempre, como repetia o mal-diagramado Sérge Gainsbourg –o francês que só pegava mulher fraca, como a Brigitte Bardot e a Jane Birkin, entre outros colossos. Sim, aquele mesmo francês cabra-safado autor do maior hino de motel de todos os tempos, “Je t´aime moi non plus”, claro.
II) Que as mulheres, ao contrário da maioria dos homens, são demasiadamente generosas. E não me venha com aquela conversinha miolo-de-pote de que as crias das nossas costelas são interesseiras. Corta essa, meu rapaz. Se assim procedessem, os feios, sujos e lascados de pontes e viadutos não teriam as suas bondosas fêmeas nas ruas. Elas estão lá, bravas criaturas, perdendo em fidelidade apenas para os destemidos vira-latas.
III) Que o feio, o mal-assombro propriamente dito, saiba também e repita um velho mantra deste cronista de costumes: homem que é homem não sabe sequer a diferença entre estria e celulite.
IV) Que mulher linda até gay deseja e encara, quero ver é pegar indiscriminadamente toda e qualquer assombração e visagem que aparecer pela frente.
V) Que homem que é homem não trabalha com senso estético. Ponto. Que não sabe e nunca procurou saber sequer que existe tal aparato “avaliatório’’do glorioso sexo oposto.
VI) Que as ditas “feias” decoram o Kama Sutra logo no jardim da infância.
VII) Que para cada mulher mal-diagramada que pegamos, Deus nos manda duas divas logo depois do enlace.
VIII) Que mulher é metonímia, parte pelo todo, até na mais assombrosa das criaturas existe uma covinha, uma saboneteira, uma omoplata, um cotovelo, um detalhe que encanta deveras.
IX) Que me desculpem as muito lindas, mas um quê de feiúra é fundamental, empresta à fêmea uma humildade franciscana quase sempre traduzida em benfeitorias de primeira qualidade na alcova, como o melhor sexo oral do planeta, para não esticarmos demais a prosa.
X) Saiba, por derradeiro, irmão de feiúra, que a vida é boxe: um bonitão tenta ganhar uma mulher sempre por nocaute, a nossa luta é sempre por pontos, minando lentamente a resistência das donzelas.
Porque, meu bem, como diz o meu amigo Conde do Brega, ninguém é perfeito e a vida é assim.
Xico Sá
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