quarta-feira, 25 de abril de 2012

A poesia tem a chave do coração - Um caso de amor sob encomenda

Tio Nelson escrevendo conselhos sentimentais

Nos anos 80, no Recife, inaugurei um serviço de cartas e poemas de amor sob encomenda que apelidei de “Miss Corações Solitários”, como no livraço do Nathanael West.

A inspiração, porém, era também a Mirna, alterego de Nelson Rodrigues que respondia a leitoras desesperadas nos jornais cariocas.

Mais lascado financeiramente do que maxixe em cruz, apliquei o marketing do miserê e da necessidade. A estratégia foi sucesso. A pensão da rua das Ninfas viveu dias de glória.

Depois de um anúncio nos classificados do “Diário de Pernambuco”, eu não dava mais conta dos pedidos e passei a terceirizar sonetos e acrósticos, tarefa fácil na terra de Manuel Bandeira, onde existem quatro poetas por cada metro quadrado.

Com o meu balcão de lirismo, ajudei a começar romances, reatar namoros, dar esperanças, iludir “boyzinhas”, parabenizar amadas, encorajar amantes, suspirar viúvos, incendiar mancebos e reacender o fogo de lindas afilhadas de Balzac.

A felicidade não se compra, como já nos avisou o cinema, mas que amealhei algumas patacas, amealhei. Recife virou uma festa, melhor do que a Paris de Hemingway.

O motivo dessa crônica, no entanto, não é o de ficar apenas mascando o chiclete Ploc da nostalgia. Nada disso. O motivo é de arrepiar. E se chama Marina Cavalcante.

Pernambucana de Olinda, hoje habitante do bairro de São Matheus, na zona leste de SP, tinha 20 anos quando me encomendou um poema para o namorado. Agora, com “mais de 40″, viu este mal-assombro que vos escreve em um programa de tevê.

Ao me localizar, contou a sua história: “Ele, Roberto, achava que eu o traía, por isso encomendei o poema sobre a minha fidelidade, pra fazer ele se arrepender e chorar (risos), lembra?” ela pergunta.

Claro que não recordo. Eram tantos casos, menina, como testemunhou o poeta e amigo Jaci Bezerra, com quem dividia a mesma mesa de trabalho nas Edições Pirata, na rua da Hora, bairro do Espinheiro.

E aí, conta logo, Marina: “Depois do poema, ele, Roberto, acreditou em mim, vivemos um lindo amor por cinco anos, o amor da minha vida, por isso a minha felicidade de achar o sr. na televisão, pra agradecer, tanto tempo depois”.

Homem que é homem chora bonito, chora mais alto. Não me contive com o episódio. Marina casou com outro aqui em São Paulo. Agora está separada, mas diz que não esquece o cara que motivou aquele velho poema.

Deu até vontade de retomar as encomendas, as costuras sentimentais para fora. Bom saber que a poesia comove até um macho-jurubeba à moda antiga, do tipo que ainda manda flores, caso do amor de Marina.

Por estas e por outras é que escrevo. Não importa o gênero, o meio, o fim.

Xico Sá

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