quinta-feira, 5 de abril de 2012

Matuto

Não existe ex-matuto. Quem já foi um dia, continuará sendo até morrer.Claro que alguns se desviam na rota da vida, botando uma capa de urbanidade em cima do corpo. Porém, por dentro continuam os mesmos matutos.É só bater no peito a lembrança dos seus pastos antigos para a emoção desmentir aquele disfarce de paulista suburbano que substituiu a indumentária rústica que usavam no tempo do pé de serra.

Aliás, o matuto, por mais que se esforce, nunca esconde a sua origem. Quando sai do mato e passa uns tempos em São Paulo, retorna falando chiando, mas não consegue ocultar a extravagância que o denuncia.Geralmente desce na rodoviária nordestina, fazendo o caminho de volta, trazendo no ombro um reluzente rádio AM/FM tocando alto, só para se amostrar.

Chico Malvadeza, que passou seis meses em São Paulo como hóspede de João de Lúcio Fráuzio, desembarcou em Princesa falando difícil. Acostumado a traçar uma garrafa de Serra Grande em dois tempos, aportou na bodega de Luizinho de Calu numa boca de noite, trajando camisa volta ao mundo e calçando um sapato Cavalo de Aço. Encostou-se ao balcão e quando viu que todo mundo prestava atenção nele, pediu, bem alto:

-Ó Luizinho, desce aí uma Ixkol!

Mas a sabedoria do matuto, urbanizado ou não, esta é invencível.

Zeca de Janúncio saiu de Sousa para passar uns dias em João Pessoa, como hóspede do deputado Eilzo Matos. Eilzo morava no Cabo Branco, bem na beira da praia, que Zeca ao avistar fez parada obrigatória. Todo dia amanhecia de cócoras, vendo as ondas baterem na areia, trazendo espumas e restos de mar. Numa daquelas manhãs, Eilzo Matos perguntou a Zeca de Janúncio por que a água do mar ia e vinha, naquele movimento sem parar, e ele, filosoficamente:

-Sabe não, deputado Eilzo? Ela ta se limpando, tirando o bascuio.

Além do que, o matuto é autêntico pra lascar. Não arrodeia para dizer uma verdade.

O fazendeiro Tixa, do Vale do Piancó, compadre de Eilzo Matos, recebeu a visita desse último, a quem não via fazia bastante tempo. Eilzo havia deixado a mulher recentemente e viajava pelo sertão em busca de ares que o fizessem esquecer a vida passada. Chegou a casa de seu compadre e perguntou pelo afilhado. Seu Tixa, sem esperar que o compadre abancasse no terraço, foi logo respondendo:

-Tá igual a você; deixou a mulher.

E a primeira viagem de avião do matuto? Inesquecível! Que o diga Manoel Ilton Sarmento, ex-prefeito do Lastro, aqui pertinho de Sousa. Conhecido como “Manoel do Bar”, o ex-prefeito, dentro do avião, recebeu da aeromoça um chiclete e, antes de botar na boca, perguntou para que servia. Com um simpático sorriso, a comissária explicou que era para ele não ter dor de ouvido quando mudasse a pressão.

Depois de um vôo tranqüilo, o prefeito foi o último a desembarcar. Antes de descer, procurou a comissária e perguntou, agoniado:

-Gente boa! Já posso tirar os chicletes dos zuvidos?


Tião Lucena

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