quinta-feira, 22 de abril de 2010

A ética da responsabilidade


Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina.
Continua nestes deveres; porque,
fazendo assim, salvarás tanto a
ti mesmo como aos teus ouvintes.
(I Timóteo 4:16)

Se observarmos bem, nossa sociedade tem procurado se distanciar de suas responsabilidades. Dois aspectos podem comprovar essa afirmação. O individualismo que se sobrepõe ao coletivo e a prática de se omitir diante dos problemas que são de sua responsabilidade.

Em sociedade, todas as nossas ações devem ser voltadas para a manutenção de uma paz coletiva, de uma ordem pública e de justiça social.

Não adianta querer se encastelar e ganhar todo o dinheiro do mundo, em detrimento de muitos que ganham tão pouco. Isso causa a revolta popular. É isso que tem acontecido com o Brasil hoje. As elites políticas e econômicas, leia-se os grandes políticos, banqueiros, latifundiários e empresários, só visam o lucro e o crescimento de seu patrimônio e esquecem de criar meios e oportunidades para o crescimento dos trabalhadores e dos pobres, ocasionando um grande abismo social, no qual os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres.

Eis a causa da violência urbana e rural. Quem tem, quer mais, quem não tem, também quer ter. Como os que têm não se dispõem a partilhar, gera a insatisfação dos trabalhadores e, infelizmente, muitos deles, vendo sua má situação e da própria família, armam-se e passam a contrapor-se a esse processo de opressão, também com opressão, gerando violência e criminalidade. Por isso, é preciso que essas elites se dêem conta de sua responsabilidade com o coletivo e não só com seus bolsos. É necessário que, juntamente com o Governo Instituído, repensem o Brasil, exigindo maciços investimentos na área de educação, na saúde e na segurança pública, tripé fundamental para a sustentação de qualquer sociedade.


É importante, também, atentar para a conduta de cada um no dia-a-dia e ver se sua atitude tem sido egocêntrica, ou seja, pensando só no seu umbigo para usar uma expressão em voga. Será que o cidadão tem se preocupado com a segurança pública, denunciando e contribuindo para as investigações policiais ou tem esperado que as autoridades façam milagres sem a cooperação popular? Numa fila, que é um coletivo de pessoas esperando atendimento, está havendo rigor na ordem de espera ou alguém fura a fila? Esses são exemplos simples de como seu comportamento inadequado contribui para a desordem na sociedade. Ao queimar um sinal vermelho, você com certeza terá ganhado tempo e vantagem, mas coloca em risco sua segurança e de todos os usuários do trânsito. Ao não se prontificar em testemunhar um crime que sabe que ocorreu, você contribui com a impunidade e pode ser vítima, assim como toda a sociedade, do criminoso que antes encobriu. Ao furar uma fila, você é atendido primeiro, mas dá mau exemplo e contribui para a desordem, da qual poderá ser vítima.

É preciso que todos entendam que uma sociedade se faz da ação individual de cada um. Se todos agirem com desrespeito ao coletivo, instala-se a desordem. Ao contrário, quando as ações individuais se voltam para a prática do que é certo, a ordem e a autoridade vão se instalando e haverá desenvolvimento. Exigir o que é certo é um direito de cada um. Cumprir o que a lei manda é um dever do cidadão. Por isso, não se acanhe em cobrar daqueles que tem obrigação de fazer. Aos que furam fila, que voltem para seu lugar, no final da fila. É ético e é legal. Quem está errado não é você que exige o que é certo, mas sim que está furando a fila.

Só com ações de cidadão é que nos armamos para cobrar das autoridades as suas responsabilidades. Não adianta ir para um protesto por melhores salários, se acaso você não presta um bom serviço. Falta-lhe moral para sua exigência. Não é por que o seu salário não é bom que você vai deixar de cumprir seu dever. Seu dever, ao assumir o emprego, especialmente público, é cumprir suas tarefas pré-determinadas. Tome-se, por exemplo, o cidadão que se submete a um concurso público. Antes de entrar no serviço público, ele fica sabendo quais serão suas obrigações para o com trabalho, atribuições e também quanto será seu salário. Concorda, faz o concurso, é aprovado. No entanto, após adentrar no serviço público, alguns se acham na regalia de dizer: “ah eu não vou trabalhar por que eu ganho mal!”, ou ainda, “ah! Já fiz o suficiente para o que eu ganho”. Tal percepção é errada e retira do servidor sua parcela de contribuição para a melhoria da sociedade. Ora, se entende que o salário é insuficiente tem que lutar por melhores salários, mas não se esquivar das obrigações, pois só se pode exigir salários melhores aquele que demonstra responsabilidade no seu labor profissional.

A maneira de reivindicar é também demonstração de ação coletiva e não individual, pois se toda uma categoria tem baixos salários, é preciso que todos se engajem na luta. Não adianta esperar pelo sindicato apenas, é preciso falar, reunir-se, movimentar-se, explicar a população por qual motivo se estar cobrando melhores salários e, especialmente, cumprir seus deveres para com a sociedade.

O individualismo das ações que não se voltam para o coletivo causa prejuízos em toda a sociedade e se volta contra todos, inclusive contra o próprio indivíduo egoísta.

Outro fato a ser observado, diz respeito às responsabilidades que cada um tem na sociedade, especialmente os profissionais e as autoridades. Todos nós temos deveres para com o coletivo, no entanto, aos profissionais e ás autoridades a lei impõe também responsabilidades e atribuições.

Conhecedor desses deveres impõe-se o comprometimento com seu cumprimento. Não há porque se omitir ou passar para outro uma responsabilidade que lhe pertence. Infelizmente, isso tem acontecido muito e, via de conseqüência, tem acarretado a falta de solução para graves problemas de nossa sociedade.

Pensemos num hospital. Trata-se de um lugar aonde existem vários profissionais, mas cada um sabe qual é o seu serviço. O diretor sabe que precisa gerenciar toda a estrutura de material, de serviços e de profissionais. O médico sabe que sua função é cuidar de seus pacientes e, indiferente de outras preocupações, precisa agir para prestar um atendimento adequado. A enfermeira tem conhecimento de que precisa auxiliar o médico e o técnico de enfermagem sabe que precisa dar a medicação prescrita. O auxiliar de serviços tem ciência que seu trabalho mantém limpo o hospital. O segurança faz garantir a ordem e a tranqüilidade.

Assim também deve ser em todos os outros setores da sociedade. Um dos grandes problemas enfrentados pela população brasileira é o jogo de empurra dos profissionais e das autoridades nas instituições públicas. Quem já precisou resolver uma questão em órgão público sabe do que falo. Por óbvio que a maioria da população não sabe como se dá o funcionamento dos órgãos públicos. Quem vai ao Fórum, em sua grande maioria, não conhece seu funcionamento. Por isso, nem sequer sabe a quem procurar. E isso se ocorre em todas as outras instituições, bancos, receitas, coletorias, hospitais, prefeituras, delegacias e muito mias.


Pois bem, o que ocorre é que essa pessoa vai se dirigir a um profissional que não é o responsável pelo seu caso e em seguida ser encaminhado a outro e depois a outro e assim permanece sua via-crúcis.

Como se isso não fosse suficiente, há ainda aqueles casos, aliás, poderíamos chamar de descaso, em que a autoridade competente se diz sem atribuições e passa o caso para outras autoridades tornando irresoluto o problema e deixando o cidadão indignado com o descaso do Estado, enveredando quase sempre por outro caminho para resolver a situação, gerando descrédito da população nas instituições e criando um Estado Paralelo.

O descaso por parte das autoridades constituídas causa desordem e insegurança. Isto é perigoso para a legitimação das instituições. É perigoso pelo fato de que o povo pode passar a criar suas próprias leis, desconstituindo o Estado, antes criado e impondo a revolta e a desobediência civil, fato grave.

Não há no ordenamento jurídico previsibilidade de omissão do Estado em face da segurança da população, por isso não se justifica a ausência de autoridade responsável por um determinado fato. O que pode haver é descaso, irresponsabilidade ou omissão da autoridade, mas não do Estado em si.

Diariamente funcionários públicos demonstram má vontade em atender a população, policias se esquivando de suas obrigações e tapando os olhos para crimes e fatos errados que acontecem, fiscais de trânsito que mais parecem postes com atitudes de omissão perante as infrações de trânsitos, juízes que não se prestam em atender a população e despachar seus processos, promotores de justiça que não tomam iniciativas de agir em nome da sociedade, defensores públicos que não trabalham, políticos e autoridades se esquivando de resolverem os problemas da saúde, da educação, dos baixos salários e da miséria. Enfim, a falta de responsabilidade tem trazido conseqüências nefastas para toda a população, inclusive para os que se esquivam da sua responsabilidade.

É preciso que cada um cumpra sua missão e cobre dos demais. Os problemas existentes não são empecilhos para a desenvoltura do trabalho. Muitas vezes a má-vontade e a preguiça é que são determinantes para o não cumprimento das obrigações assumidas.

A ética da responsabilidade passa por esses dois aspectos. A conduta coletiva que se traduz na ação que beneficie a si e não prejudique a coletividade e a responsabilidade pelo cumprimento de suas obrigações.

Ser cidadão consciente é participar de forma ativa da construção da sociedade, é exigir de quem tem o dever o cumprimento de suas responsabilidades, é cobrar dos governantes políticas públicas sérias e de resultados.

A sociedade, portanto, é composta por um conjunto de cidadão, mas ação de cada cidadão determina a qualidade que terá essa sociedade. Se todos se comportarem com ética e responsabilidade, com certeza faremos uma sociedade melhor. Se cada cidadão se portar com decência e respeito ao próximo teremos melhor capacidade de cobrar de nossos governantes uma postura mais ética e responsável.

Lembremos que um oceano só é formado por que existem várias gotas d’águas, um deserto só é tão grande por que os grãos de areias possibilitam e assim também se passa com uma sociedade. Nós somos aquilo que fazemos.



Edivan Rodrigues Alexandre.
Juiz de Direito
Titular da 4ª. Vara da Comarca de Cajazeiras-PB

Um comentário:

Unknown disse...

TIVE A GRATA SATISFAÇÃO DE SER ALUNO DE EDVAN NO CAMPUS DA FACULDADE DE DIREITO DE SOUSA ,E O QUE MAIS ME CHAMOU A ATENÇÃO,FOI A SUA FORMA SIMPLES, DIRETA E OBJETIVA DE ENSINAR. A MAGISTRATURA E EM ESPECIAL A SOCIEDADE CAJAZEIRENSE E PARAIBANA PODE SE ORGULHAR EM TER EDVAN COMO JUIZ DE DIREITO.