quinta-feira, 15 de setembro de 2022

O censo

O meu primeiro emprego temporário de contrato assinado que tive, inclusive, a necessidade de abrir conta no Banco para recebimento do salário foi como recenseador do IBGE no Censo Demográfico, no ano de 1991. Para mim, foi uma experiência fantástica.

 
Percorri ruas e ruelas desta cidade de Pombal-PB. Ouvi muitas histórias que não faziam parte da pesquisa, mas que as pessoas gostavam e se sentiam felizes em relatar. Em quase todo domicílio havia sempre um cafezinho ou uma xicara de chá à nossa espera. Claro que também haviam os domicílios menos amistosos, sisudos, mas tudo fazia parte do trabalho do jovem recenseador. 
 
Dentre tantas circunstâncias, um fato que me chamou bastante a atenção foi o de ter encontrado o mesmo marido e chefe de família em 03 domicílios diferentes. Aquele "Sultão" nordestino não se constrangia em responder-me as mesmas perguntas alterando apenas o nome das companheiras.
 
Havia também um senhor muito gentil de apelido "Doca" que só aceitava ser entrevistado depois do pôr do sol. Um Califa tupiniquim. Visitei-o a "boquinha" da noite.
 
João do Pife não me recebeu. Resistia à entrevista sob o argumento de que o Governo queria era tirar-lhe o aposento. Não iria me dá informação alguma. E de fato não deu. Concluo, portanto, que do cômputo final daquele Censo faltou João do Pife.
 
Fiquei também responsável pela coleta de dados e preenchimento dos longos questionários em parte do bairro dos Pereiros, indo da padaria de Lourival até o antigo matadouro, contemplando também toda a área do cabaré da cidade.
 
Na primeira "casa da luz vermelha" quem me recebeu fora o Sultão. Agora, com o cuidado e o pedido de discrição para que suas três mulheres não tomassem conhecimento de sua presença no "baixo meretrício". Assenti tranquilizando-o e garantindo-lhe a devida reserva. 
 
Passados os anos, hoje recebi em minha casa uma jovem simpática com um tablet na mão dirigindo-me perguntas. Tentei contar-lhe histórias, fugir um pouco das perguntas oficiais do IBGE, em vão ofereci-lhe água, café e uma cadeira de balanço para descansar. 
 
A competente e focada jovem não oportunizou contar-lhe um pouco desses causos e de outros mais. Após roubar-lhe uma foto como registro, despediu-se educadamente e saiu por aí a contar pessoas sem importar-lhes suas histórias, transformando domicílios em algoritmos, talvez tenha sido bem melhor assim. 
 
Teófilo Júnior

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