Eu tinha quatro, talvez cinco anos. Lembro perfeitamente da situação, das pessoas, dos gestos, das reações, menos dos diálogos. Quanto a estes, o tempo fez questão de enterrar; minhas inúmeras tentativas de rememoração nunca lograram os exumar. Mas o que jamais se encaminhou para o esquecimento foi o efeito e o significado daquela conversa que tive com meu avô.
Ninguém nasce sabendo, vai-se aprendendo. Do mesmo modo que, ao aparecermos para o mundo, somos incapazes de andar; não compreendemos uma série de fenômenos da vida, como o mais importante deles, a morte. Na verdade, nem sequer sabemos que ela existe.
Foi no sítio de vovô Chico, em Bananeiras, que lhe fui apresentado; não ao seu inevitável efeito concreto, mas à ideia da sua existência. Até então, faltava-me qualquer noção do que seria isso, nem sei se já havia ouvido diretamente palavras referentes a ela. Porém, ali, tive sua primeira notícia.
Minha mãe lavava os pratos e papeava com a cunhada. Enquanto parolavam, por algum motivo que desconheço ou apenas pela inexistência de um que fosse contrário à nossa estada, eu e meu avô também nos fazíamos presentes na cozinha. Surgindo a temática funesta e com a completa ignorância que eu detinha sobre o assunto, fiz o que parecia natural, perguntei.
O que me foi respondido não ficou gravado; mas, evidentemente, desagradou-me, já que engatei um choro e, em seguida, corri. É difícil asseverar se foi uma fala muito crua para uma criança, sem que se realizasse um sopesamento na explicação para o filho ainda muito pequeno. Todavia, tenho certeza do que senti. Ao contrário do que as lágrimas poderiam levar a pensar, não foi tristeza. O sentimento era de indignação.
No momento em que tomei conhecimento da finitude da vida, portanto, ao começar a entender ela própria, senti uma inconformidade enorme diante da percepção que tudo aquilo acabaria. Como, de repente, eu deixaria de existir e nada mais haveria? Como era possível aceitar que meus pais e avós, que eu acreditava serem eternos (como tudo parecia ser), iriam desaparecer? Era implausível admitir isso, não fazia sentido. Impotente, chorei um pranto de revolta.
Encerrando a chispada no alpendre da casa, sentei-me. Ainda soluçava, tentando digerir a ideia que tinha acabado de me penetrar. Sem tardar, vô veio atrás de mim, sentando-se também no batente, onde me deu a primeira lição do que seria a morte e, o que é mais importante, o que é a vida perante ela.
Certamente, a conversa possuiu os traços característicos dele, como o “pois bem” sempre a interligar as frases. Entretanto, não me recordo das palavras que ele utilizou, nem o conteúdo em si. O que sei é que foi o suficiente para estancar as lágrimas e aplacar a dor da consciência súbita.
Ao iniciar o berreiro, mãe riu, deve ter achado ridícula a reação. Provavelmente, já havia passado pela mesma interlocução com seu pai, o que fazia com que o assunto não lhe fosse novidade e pudesse parecer mais banal. Para mim, era diferente, a morte só começava a existir naquele momento.
Porém, seriam somente alguns anos depois que o decesso e o luto viriam a se mostrar para mim na prática, com o falecimento da minha avó. De certo modo, ao ir me ver na frente da casa, Chico também preparava o neto para a futura perda, que nenhum dos dois imaginava que iria ocorrer tão cedo.
Minha memória guardou a lembrança do momento e a imagem de vovô ao meu lado. Mas não pôde preservar as falas. Sou incapaz de reproduzir um termo sequer que meu avô tenha utilizado. Mas foi na dita prosa (como ele gostava de chamar os diálogos), que eu pude começar a entender o que seria a morte e, portanto, o que é a vida.
Lucas Arroxelas
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